quinta-feira, 28 de março de 2013

A muitos e muitos quilômetros

Grazielle Uchoa

Sábado à noite, estacionando em uma lanchonete de esquina no bairro do Cristo, escuto uma freada brusca. Se não fossem alguns milésimos de segundos, o Fox, que atravessava o sinal vermelho, colidiria em cheio com o Palio que atravessava o cruzamento tranquilamente. Na volta da lanchonete para casa, próximo à ladeira do José Américo, vejo um aglomerado de pessoas em torno de um motoqueiro caído no chão. Ele acabara de colidir com um Siena. Como se não fosse o bastante, ao me aproximar da rua de casa, na principal dos Bancários, me deparo com um acidente causado por mais um indivíduo que ultrapassou o sinal vermelho. O motociclista ainda tentou fugir, mas um herói tipicamente nordestino puxou uma singela peixeira de aproximadamente 20cm para impedir que o cidadão deixasse o local.
Esses dias, conversando com um amigo, eu falava sobre quão enlouquecidas andam as pessoas no trânsito. Ele me respondeu: “as pessoas estão enlouquecidas em tudo”. Mas espera um pouco, né? Uma coisa é enlouquecer e xingar o maldito atendente de telemarketing, é “go wild” na balada, é se enfurecer dentro de casa e sair quebrando os jarros da sua avó, é fazer barraco com a amiga fura-olho. Outra coisa é entrar em um veículo automotor e assumir o risco de ferir ou tirar a vida de alguém. Isso, por si só, já deveria inibir as atitudes estapafúrdias que as pessoas tomam no trânsito. Mas não inibem. Aliás, contar com o bom senso alheio sempre foi e sempre será estupidez.
O que dizer do psicólogo Eduardo Paredes? O responsável pela morte da Defensora Pública Fátima Lopes e, cinco meses depois, da dona de casa Maria José dos Santos disse estar distraído no momento, não embriagado. E o jovem Alex que, após atropelar David Santos na Avenida Paulista, fugiu e jogou o braço do pedreiro, que acabara de ser amputado, em um córrego? Exemplos não faltam, não é verdade? Aposto que você já se lembrou de pelo menos mais dois ou três casos desse tipo. Uns envolvem álcool, drogas, outros envolvem ações de irresponsabilidade e alguns outros são meramente fatalidades do destino. De acordo com o Mapa da Violência, em 2010, mais de 40 mil pessoas morreram no trânsito. Pelo menos uma delas, eu e você conhecemos.
Minha intenção aqui não é nem de longe bancar a moralista ou encher você desses discursos dados sobre o trânsito, o álcool, a impunidade e todas essas coisas. Não trago respostas, mas sim perguntas. A principal delas, o porquê de todos nós pensarmos que tragédias só acontecem a muitos e muitos quilômetros de distância de nós.
O trânsito é um ambiente social como qualquer outro, ao qual todos nós estamos familiarizados. Em tese, ninguém quer morrer ou matar alguém. E nem é preciso tanto para entendermos a loucura que se tornou sair de casa, seja a pé, montado em uma bicicleta, pilotando uma moto ou dirigindo um carro. A tragédia social já está posta quando enfrentamos todos os dias o desrespeito, a agressividade desmedida, a precariedade dos transportes públicos, a falta de estrutura das rodovias e as tantas outras aberrações com as quais nos deparamos no nosso cotidiano. As mortes são, assim, o ápice, a ponta do iceberg de uma tragédia que já aconteceu, que acontece e ainda vai acontecer, todos os dias, o tempo todo, bem pertinho de nós, e não a muitos e muitos quilômetros.
LINKS PARA MAIS INFORMAÇÕES:

MORTES NO TRÂNSITO – MAPA DA VIOLÊNCIA: http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2012/mapa2012_transito.pdf

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