Grazielle Uchoa
Sábado à noite, estacionando em uma lanchonete de esquina no
bairro do Cristo, escuto uma freada brusca. Se não fossem alguns milésimos de
segundos, o Fox, que atravessava o sinal vermelho, colidiria em cheio com o
Palio que atravessava o cruzamento tranquilamente. Na volta da lanchonete para
casa, próximo à ladeira do José Américo, vejo um aglomerado de pessoas em torno
de um motoqueiro caído no chão. Ele acabara de colidir com um Siena. Como se
não fosse o bastante, ao me aproximar da rua de casa, na principal dos
Bancários, me deparo com um acidente causado por mais um indivíduo que
ultrapassou o sinal vermelho. O motociclista ainda tentou fugir, mas um herói
tipicamente nordestino puxou uma singela peixeira de aproximadamente 20cm para
impedir que o cidadão deixasse o local.
Esses dias, conversando com um amigo, eu falava sobre quão
enlouquecidas andam as pessoas no trânsito. Ele me respondeu: “as pessoas estão
enlouquecidas em tudo”. Mas espera um pouco, né? Uma coisa é enlouquecer e
xingar o maldito atendente de telemarketing, é “go wild” na balada, é se
enfurecer dentro de casa e sair quebrando os jarros da sua avó, é fazer barraco
com a amiga fura-olho. Outra coisa é entrar em um veículo automotor e assumir o
risco de ferir ou tirar a vida de alguém. Isso, por si só, já deveria inibir as
atitudes estapafúrdias que as pessoas tomam no trânsito. Mas não inibem. Aliás,
contar com o bom senso alheio sempre foi e sempre será estupidez.
O que dizer do psicólogo
Eduardo Paredes? O responsável pela morte da Defensora Pública Fátima Lopes e, cinco meses depois, da dona de casa
Maria José dos Santos disse estar distraído no momento, não embriagado. E o
jovem Alex que, após atropelar David Santos na Avenida Paulista, fugiu e jogou
o braço do pedreiro, que acabara de ser amputado, em um córrego? Exemplos não
faltam, não é verdade? Aposto que você já se lembrou de pelo menos mais dois ou
três casos desse tipo. Uns envolvem álcool, drogas, outros envolvem ações de
irresponsabilidade e alguns outros são meramente fatalidades do destino. De
acordo com o Mapa da Violência, em 2010, mais de 40 mil pessoas morreram no
trânsito. Pelo menos uma delas, eu e você conhecemos.
Minha intenção aqui não é nem de longe bancar a moralista ou
encher você desses discursos dados sobre o trânsito, o álcool, a impunidade e
todas essas coisas. Não trago respostas, mas sim perguntas. A principal delas,
o porquê de todos nós pensarmos que tragédias só acontecem a muitos e muitos
quilômetros de distância de nós.
O trânsito é um ambiente social como qualquer outro, ao qual
todos nós estamos familiarizados. Em tese, ninguém quer morrer ou matar alguém.
E nem é preciso tanto para entendermos a loucura que se tornou sair de casa,
seja a pé, montado em uma bicicleta, pilotando uma moto ou dirigindo um carro.
A tragédia social já está posta quando enfrentamos todos os dias o desrespeito,
a agressividade desmedida, a precariedade dos transportes públicos, a falta de
estrutura das rodovias e as tantas outras aberrações com as quais nos deparamos
no nosso cotidiano. As mortes são, assim, o ápice, a ponta do iceberg de uma
tragédia que já aconteceu, que acontece e ainda vai acontecer, todos os dias, o
tempo todo, bem pertinho de nós, e não a muitos e muitos quilômetros.
LINKS PARA MAIS INFORMAÇÕES:
CASO EDUARDO PAREDES: http://g1.globo.com/pb/paraiba/noticia/2013/03/nao-estava-bebado-estava-distraido-diz-reu-do-caso-fatima-lopes.html
CASO JOVEM AVENIDA PAULISTA: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2013/03/ciclista-e-atropelado-na-avenida-paulista.html
MORTES NO TRÂNSITO – MAPA DA VIOLÊNCIA: http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2012/mapa2012_transito.pdf
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