Jacyara Araújo
Juliana Freire
Em uma rua sem calçamento, no bairro do Geisel, em
meio a bares e residências, o terminal reúne trabalhadores apressados. Na manhã ensolarada de uma terça-feira, o
ônibus de número 0717 atraca em seu ponto final. Descem apenas o motorista e o
cobrador, ambos de rostos suados.
Vamberto Lima, 56, é motorista deste coletivo de linha 1500 há quatro
anos. Correndo, ele vai ao terminal, informa ao despachante o horário em que
chega, usa o banheiro e sai com o rosto lavado. O ritual dura menos de um
minuto e ele já volta ao ônibus para sua próxima viagem.
Às nove horas e quinze minutos, o ônibus branco com
listras verde, vermelha e azul, parte em seu segundo itinerário, levando apenas
três passageiros. Na parte de trás, em
uma cadeira preta, alta e aparentemente desconfortável, o cobrador Messias
Batista está começando a sua jornada.
Aos dezenove anos, o rapaz magro de cabelos pretos e lisos, trabalha na
empresa Transnacional há dois meses. Todo mês os cobradores são sujeitados a
trocar de linha. Quem determina essa mudança é o gerente de tráfego da empresa.
Messias faz quatro viagens diárias durante as oito
horas de sua jornada de trabalho. ”Essa linha é cansativa, é a que mais roda. A
jornada de trabalho é pesada. As outras linhas são cinco ou seis partidas, e de
uma hora cada”, desabafa ao dizer que passa duas horas sentado, sem circulação
nas pernas e com uma cadeira péssima para a coluna.
O 1500 roda em cada viagem 48 quilômetros. Ao todo, trabalham nessa linha, 50 motoristas
e 50 cobradores que, durante sua jornada, atravessam 21 bairros. São eles:
Geisel, Grotão, Funcionários I,II e III, Ernâni Sátiro, Costa e Silva, Gauchinha,
Oitizeiro, Cruz das Armas, Centro, Torre, Expedicionários, Tambauzinho,
Miramar, Manaíra, Castelo Branco, Cidade Universitária, Bancários, Mangabeira e
Valentina.
Por causa de sua pouca experiência, Messias já
enfrentou algumas saias justas. Ele conta, bem-humorado, uma delas: “Como eu
sou novo no emprego, não conheço muito o caminho. Aí a mulher me perguntou onde era um lugar, e eu disse
que o ônibus não passava lá. Ela
respondeu que passava sim, porque pegava esse ônibus todos os dias. Aí eu
disse: ‘Então por que perguntou?’”.
Após cruzar o bairro de Valentina, o ônibus entra em
Mangabeira. Ao chegar lá, mais oito pessoas ingressam no 1500. Entre elas está
Leila da Costa. Com um bebê de seis meses no colo, a cozinheira sobe pela porta
da frente, vai até o final do ônibus, paga sua passagem e senta. Durante um ano
e meio, Leila fez o percurso Mangabeira-Epitácio para trabalhar em uma casa de
família. Agora que está desempregada, ela aproveita que ônibus anda muito, e
vai mostrar a cidade à sua filha Ana Estela. “Às vezes levo ela à praia, outros
dias ao centro, quero que ela conheça a cidade”, comenta.
Conhecer a cidade é também o objetivo do aposentado
Edgard, que não diz o sobrenome porque “só o primeiro basta”. Ele mora sozinho
e para não ficar triste em casa, todos os dias seleciona um roteiro para
seguir, pegando de oito a dez ônibus diários. “Hoje eu vou para a Epitácio
Pessoa, entregar a chave que o meu neto esqueceu lá em casa”. Edgard observa, no entanto, que suas rotas
geralmente não têm um objetivo específico. Natural de Irecê, na Bahia, Edgard
vive em João Pessoa há 49 anos e diz que prefere pegar o 1500 por ser ele o
ônibus de maior percurso da cidade. Mas
não há apenas situações agradáveis em suas viagens. Ele reclama que, por vezes,
os motoristas fingem não o ver na parada de ônibus. “Eles viram a cara, não
param pros velhos”, lamenta o aposentado de 83 anos.
O desrespeito aos idosos e aos deficientes é a única
reclamação do prestador de serviços Wilson Santos de Oliveira, em relação ao
ônibus. Conhecido como o DJ do 1500, Wilson, de 41 anos, porta em suas mãos um pequeno aparelho celular,
com música no volume máximo e o auto-falante ligado. Ao som de Aviões do Forró, ele vai do bairro da Torre a
Manaíra, por vezes se empolgando e cantando junto.
A música pode até animar alguns passageiros, mas isso
não é o caso de Expedito Vieira. Membro da Igreja Peniel, o aposentado de 62
anos prefere viajar em silêncio e reclama: “quer escutar, escute baixinho”. Ele
afirma que não toma o 1500 constantemente, apenas “no domingo, segunda, terça,
quarta e sexta”, comenta irônico. Diz que gosta particularmente desse ônibus
“porque passa com muita freqüência”.
A cada dez minutos, um dos treze ônibus da linha 1500, que transportam em
média 12.500 passageiros diariamente, passa pela parada de ônibus, segundo o
despachante do terminal, Joabes Alves de Nascimento. Durante a noite, há apenas
um ônibus dessa linha percorrendo a cidade e os minutos que os passageiros
esperam aumentam para 80. Esse tipo de
ônibus noturno é chamado de bacurau ou
tetéu.
Às onze horas e vinte minutos, o 1500 finalmente
chega ao fim de sua linha. Sem enfrentar um grande trânsito, o ônibus excedeu
apenas cinco minutos do horário previsto para a viagem. No fim da jornada, são
tantos os “obrigados” que o motorista recebe, tantos rostos vistos, que ao
chegar ao terminal, do que foi dito e visto pouco se é lembrado. Mal tem o
tempo para respirar, lá vão Messias e Vamberto novamente até o despachante, e
voltam correndo do terminal para o início de mais uma viagem.
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