quinta-feira, 28 de março de 2013

As voltas do 1500 - Circular

Jacyara Araújo
Juliana Freire


Em uma rua sem calçamento, no bairro do Geisel, em meio a bares e residências, o terminal reúne trabalhadores apressados.  Na manhã ensolarada de uma terça-feira, o ônibus de número 0717 atraca em seu ponto final. Descem apenas o motorista e o cobrador, ambos de rostos suados.  Vamberto Lima, 56, é motorista deste coletivo de linha 1500 há quatro anos. Correndo, ele vai ao terminal, informa ao despachante o horário em que chega, usa o banheiro e sai com o rosto lavado. O ritual dura menos de um minuto e ele já volta ao ônibus para sua próxima viagem.
Às nove horas e quinze minutos, o ônibus branco com listras verde, vermelha e azul, parte em seu segundo itinerário, levando apenas três passageiros.  Na parte de trás, em uma cadeira preta, alta e aparentemente desconfortável, o cobrador Messias Batista está começando a sua jornada.  Aos dezenove anos, o rapaz magro de cabelos pretos e lisos, trabalha na empresa Transnacional há dois meses. Todo mês os cobradores são sujeitados a trocar de linha. Quem determina essa mudança é o gerente de tráfego da empresa.
Messias faz quatro viagens diárias durante as oito horas de sua jornada de trabalho. ”Essa linha é cansativa, é a que mais roda. A jornada de trabalho é pesada. As outras linhas são cinco ou seis partidas, e de uma hora cada”, desabafa ao dizer que passa duas horas sentado, sem circulação nas pernas e com uma cadeira péssima para a coluna.

O 1500 roda em cada viagem 48 quilômetros.  Ao todo, trabalham nessa linha, 50 motoristas e 50 cobradores que, durante sua jornada, atravessam 21 bairros. São eles: Geisel, Grotão, Funcionários I,II e III, Ernâni Sátiro, Costa e Silva, Gauchinha, Oitizeiro, Cruz das Armas, Centro, Torre, Expedicionários, Tambauzinho, Miramar, Manaíra, Castelo Branco, Cidade Universitária, Bancários, Mangabeira e Valentina.

Por causa de sua pouca experiência, Messias já enfrentou algumas saias justas. Ele conta, bem-humorado, uma delas: “Como eu sou novo no emprego, não conheço muito o caminho. Aí a mulher me  perguntou onde era um lugar, e eu disse que  o ônibus não passava lá. Ela respondeu que passava sim, porque pegava esse ônibus todos os dias. Aí eu disse: ‘Então por que perguntou?’”.
Após cruzar o bairro de Valentina, o ônibus entra em Mangabeira. Ao chegar lá, mais oito pessoas ingressam no 1500. Entre elas está Leila da Costa. Com um bebê de seis meses no colo, a cozinheira sobe pela porta da frente, vai até o final do ônibus, paga sua passagem e senta. Durante um ano e meio, Leila fez o percurso Mangabeira-Epitácio para trabalhar em uma casa de família. Agora que está desempregada, ela aproveita que ônibus anda muito, e vai mostrar a cidade à sua filha Ana Estela. “Às vezes levo ela à praia, outros dias ao centro, quero que ela conheça a cidade”, comenta.
Conhecer a cidade é também o objetivo do aposentado Edgard, que não diz o sobrenome porque “só o primeiro basta”. Ele mora sozinho e para não ficar triste em casa, todos os dias seleciona um roteiro para seguir, pegando de oito a dez ônibus diários. “Hoje eu vou para a Epitácio Pessoa, entregar a chave que o meu neto esqueceu lá em casa”.  Edgard observa, no entanto, que suas rotas geralmente não têm um objetivo específico. Natural de Irecê, na Bahia, Edgard vive em João Pessoa há 49 anos e diz que prefere pegar o 1500 por ser ele o ônibus de maior percurso da cidade.  Mas não há apenas situações agradáveis em suas viagens. Ele reclama que, por vezes, os motoristas fingem não o ver na parada de ônibus. “Eles viram a cara, não param pros velhos”, lamenta o aposentado de 83 anos.

O desrespeito aos idosos e aos deficientes é a única reclamação do prestador de serviços Wilson Santos de Oliveira, em relação ao ônibus. Conhecido como o DJ do 1500, Wilson, de 41 anos,  porta em suas mãos um pequeno aparelho celular, com música no volume máximo e o auto-falante ligado. Ao som de Aviões do Forró,  ele vai do bairro da Torre a Manaíra, por vezes se empolgando e cantando junto.
A música pode até animar alguns passageiros, mas isso não é o caso de Expedito Vieira. Membro da Igreja Peniel, o aposentado de 62 anos prefere viajar em silêncio e reclama: “quer escutar, escute baixinho”. Ele afirma que não toma o 1500 constantemente, apenas “no domingo, segunda, terça, quarta e sexta”, comenta irônico. Diz que gosta particularmente desse ônibus “porque passa com muita freqüência”.
A cada dez minutos, um dos  treze ônibus da linha 1500, que transportam em média 12.500 passageiros diariamente, passa pela parada de ônibus, segundo o despachante do terminal, Joabes Alves de Nascimento. Durante a noite, há apenas um ônibus dessa linha percorrendo a cidade e os minutos que os passageiros esperam aumentam para 80.  Esse tipo de ônibus noturno  é chamado de bacurau ou tetéu.
Às onze horas e vinte minutos, o 1500 finalmente chega ao fim de sua linha. Sem enfrentar um grande trânsito, o ônibus excedeu apenas cinco minutos do horário previsto para a viagem. No fim da jornada, são tantos os “obrigados” que o motorista recebe, tantos rostos vistos, que ao chegar ao terminal, do que foi dito e visto pouco se é lembrado. Mal tem o tempo para respirar, lá vão Messias e Vamberto novamente até o despachante, e voltam correndo do terminal para o início de mais uma viagem. 

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