sábado, 13 de abril de 2013

A gaiola midiática

Umberlândia Cabral


A primeira vez que vi Valesca Popozuda foi quando passava pela sala enquanto meus pais assistiam ao programa Domingo Espetacular, da Record. O desafio da matéria era Valesca, em roupas minúsculas, equilibrar um copo na sua parte mais famosa: a bunda. Na hora revirei meus olhos feministas e pensei em todo o discurso propagado contra as músicas que degradam a imagem da mulher. Não procurei mais nada sobre ela, mas como a internet te impulsiona uma curiosidade acerca de algumas figuras midiáticas, acabei ouvindo uma música da funkeira durante um show de sua banda, a Gaiola das Popozudas, em um vídeo no Youtube.

Na hora pensei que Valesca não tinha consciência do poder que a sua música e sua presença no funk carioca tinha para modificar um ambiente tão machista no qual ela estava vinculada. Grande erro. Um dia li uma matéria que dizia “Valesca Popozuda posa nua para protestar contra o preconceito”. Junto ao texto, o site exibia fotos da funkeira com o próprio corpo pintado com frases do tipo “meu corpo, minhas regras”. Valesca ainda dizia na matéria: “Sonho com o dia que vão parar de rotular as mulheres de puta ou piranha por causa de sua postura de vida, por causa de um determinado trabalho, como é o meu caso. Ninguém tem que julgar ninguém por causa do seu corpo. Por que a mulher que beija dois é piranha e o cara que beija duas é garanhão?”. Ora, a liberdade de escolha da mulher é uma das principais bandeiras do feminismo e era óbvio que Valesca sabia disso e tinha consciência do seu papel. Então, por que será que a mídia não retratava esse lado ativista e sua presença em programas de tv se resumia a equilibrar o copo “daquele jeito”?

Já estamos adaptados à ideia de que ler comentários em um portal de notícias nos leva a uma grande excursão pelo século XVII. Mesmo assim, não resisto e leio. O resultado não pode ser outro: um festival de slut shaming contra uma mulher – que na já citada matéria só pedia a liberdade de agir como bem entender sem ser julgada por isso.

Tentei, então, encontrar exemplos de que a mídia trata Valesca com o tal respeito que ela pede. E em raros momentos eu encontrei. Um deles foi a entrevista ao programa “De frente com Gabi”, do SBT, que já tem a fama de entrevistar personalidades polêmicas. A primeira pergunta que a apresentadora Marília Gabriela faz, no entanto, é sobre o seguro que Valesca fez para “proteger o bumbum”. Depois entra no assunto do silicone e só adiante faz perguntas a respeito da vida pessoal da funkeira, onde mostra um lado mais simples dela. O machismo no universo do funk carioca também é abordado.

Diante de toda a polêmica com o pastor evangélico e deputado Marco Feliciano, que assumiu a presidência da Comissão de Direitos Humanos - mesmo já tendo feitos declarações descaradamente machistas, racistas e homofóbicas -, Valesca emitiu a sua opinião na própria página no Facebook. Junto com fotos de sua visita a Brasília, em frente ao Congresso Nacional, a funkeira postou o seguinte texto:

Preciso fazer um desabafo, estava em Brasília fazendo um show maravilhoso e quis conhecer o nosso congresso nacional, a casa da nossa presidenta , Palácio do Planalto ou seja quis fazer um passeio pela nossa capital, mas ao fazer o passeio, bateu aquela tristeza, bateu a tristeza de uma Brasileira que sempre quer o melhor para o seu país, estamos envolvidos em muitas polemicas, mas uma em especial me chamou a atenção, que é o caso do Deputado Federal Marcos Feliciano atual presidente da comissão de Direitos Humanos e Minorias, Nada contra a pessoa dele como Pastor, até porque não venho aqui comentar ou falar sobre os vídeos que eu vi na internet dele pedindo até senha de cartão de débito e pegando dinheiro dos fieis, isso é um problema entre a religião dele e seus seguidores, afinal de contas no fim da vida ele vai ter que prestar contas com Deus e isso tudo podem ter certeza que será posto na balança, e sim venho dizer e reclamar como cidadã a forma em que ele trata os Negros e os Gays, como uma pessoa que usa as palavras que ele usa, que tem os pensamentos que ele tem pode se tornar presidente de uma comissão para tratar dos direitos humanos? Ser Gay, ser negro, ser branco ou Roxo , católico, evangélico, espírita ou judeu não faz ninguém menos e nem mais Humano que o outro, gente o Brasil é um país laico, e a religião não pode se confundir com a política, infelizmente é isso que está acontecendo nesse momento! Não podemos fechar os olhos e deixar acontecer. Não se pode pregar dentro do congresso , estou envergonhada nesse momento pois existiu uma votação para escolher a pessoa para presidir essa comissão e usaram religião e interesses políticos (Como sempre né?) para escolher um representante que não aceita e nem reconhece as minorias. Enfim fica meu protesto e desagrado na escolha dele. Espero que façamos algo contra, e não fiquemos de braços cruzados deixando o barco ir na direção contrária fazendo um retrocesso no Brasil.

Houve uma avalanche de comentários na página de Valesca, com muitos usuários tentando desqualificá-la por causa de sua música e de suas performances. Outras pessoas, em número menor, defendiam opinião da cantora e o seu bom senso. É importante destacar aqui que Valesca quase nunca aparece em sites de notícias de maior credibilidade jornalística como o G1. Quando alguma notícia referente a ela é destaque, ela é prontamente direcionada ao Ego, o site de fofocas da Globo. A notícia do post de protesto, então, foi dada no Ego com a seguinte manchete: “Com microshort, Valesca Popozuda protesta em frente ao Congresso”. Ora, então a principal observação do site não era o protesto da funkeira contra Marco Feliciano, mas a roupa que ela estava vestindo na ocasião. Uma opinião bem próxima a que os usuários do Facebook comentaram no post.

Já na matéria do portal R7, onde é noticiado um beijo que as atrizes Fernanda Paes Leme e Fernanda Rodrigues deram em protesto contra Feliciano, Valesca aparece da seguinte forma: “Fernanda Montenegro, Xuxa, Elza Soares e até mesmo Valesca Popozuda se mostraram contrárias ao discurso do presidente da comissão”. “Até mesmo”? Segundo a opinião dos jornalistas do site, Valesca seria uma figura mais improvável para protestar contra a presença do pastor na Comissão do que as outras celebridades?

Muitas pessoas chegaram a dizer que a funkeira defende os gays porque eles formam grande parte do seu público. Seguindo essa lógica, Joelma da banda Calypso deveria fazer a mesma coisa, não? O que se nota aqui e em outras declarações de Valesca é que ela tem um senso crítico bem apurado e um trabalho social forte nas comunidades cariocas, o que quase nunca é abordado pela mídia. Há, sim, um desrespeito na maneira em que Valesca é tratada por jornalistas e por muitos usuários de mídias sociais. Pelo jeito, eles não estão preparados para lidar com uma mulher que fala abertamente sobre sexo, equilibra um copo no bumbum e que também pode fazer críticas muito pertinentes à sociedade em que está inserida. O que precisamos é que a mídia acate o pedido da funkeira e pare de rotular as pessoas por causa de um determinado trabalho que ela realiza. Apesar do pseudônimo, Valesca não é só bunda. Ela é cidadã e não só pode, mas deve dar sua opinião sobre política. Além do mais, pela própria formação e trabalho, ela tem um grande convívio com as classes menos favorecidas e sabe bem o que eles precisam. Ainda é necessário vermos mais celebridades com posturas tão críticas quanto a dela, em relação a temas polêmicos como machismo e racismo. Valesca, sim, me representa.

8 comentários:

  1. Eu como fã de Valeska acho que esse texto fez jus finalmente a personalidade e ativista que ela é.
    Valeska me representa.

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  2. o trecho do post "[...] que é o caso do Deputado Federal Marcos Feliciano [...] pedindo até senha de cartão de débito [...]", reproduzindo fala da Valeska, que faz referência à prática comum na igreja citada, me faz pensar que ela tem pouca informação sobre o caso e o está usando para AUTO-PROMOÇÃO - ao questionar isso para a (imagino) autora do post, ela me indicou o vídeo https://www.youtube.com/watch?v=TFFj1a_VsHI, que tem o título "Vídeo mostra pastor Marco Feliciano pedindo senha de cartão de fiel", que dá a entender que ele PEDIU senha de cartão do nada, o que não aconteceu: sobre uma "doação", ele disse "doar o cartão sem senha não adianta nada..." (tentando ser engraçado - isso acontece logo no início do vídeo, aos 0:57 [até 1:06 - o resto do vídeo fala de outros tipos de doação, principalmente em cheque ou de veículos...])

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    1. * outro trecho da fala da Valeska que me chamou a atenção foi: "[...] Não se pode pregar dentro do congresso [...]" (que corrobora com minha ideia anterior, sobre "pouca informação e auto-promoção) - pelo que assisti no http://tvbrasil.ebc.com.br/3a1/episodio/politica-e-religiao, na última sexta, congressistas falaram textualmente que isso NÃO OCORREU nesse caso

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    2. sobre o trecho, agora não reproduzindo fala da Valesca (ou "Valeska"?): "[...] sites de notícias de maior credibilidade jornalística como o G1 [...]" - eu diria POPULARIDADE, não CREDIBILIDADE JORNALÍSTICA (o que autores do http://www.observatoriodaimprensa.com.br/ concordam que o G1 não tem)

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    3. e sobre o trecho "[...] foi dada no Ego com a seguinte manchete: “Com microshort, Valesca Popozuda protesta em frente ao Congresso”. Ora, então a principal observação do site não era o protesto da funkeira contra Marco Feliciano, mas a roupa que ela estava vestindo na ocasião. [...]": frente à meus comentários anteriores, isso não indica tentativa de aproveitar o caso com finalidade de auto-promoção? É o que me parece...

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    4. e sobre o trecho: "[...] O que se nota aqui e em outras declarações de Valesca é que ela tem um senso crítico bem apurado [...]": não notei isso...

      * resumindo: o texto me parece tendencioso (teve origem em equipe de marketing relacionado à Vales[c/k]a?) e "não me representa" :P

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  3. Adorei o texto. Valesca me representa! :)

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