segunda-feira, 8 de abril de 2013

O fenômeno Rachel Sheherazade


Mila Monteiro 


Rachel Sheherazade estudou na Universidade Federal da Paraíba e passou de apresentadora do Tambaú Notícias, noticiário local da afiliada da SBT, para apresentadora do SBT Brasil, de veiculação nacional, após a repercussão do seu vídeo comentando o carnaval, em 2011. É engraçado como eu a imagino como universitária: debatendo assuntos polêmicos com os professores enquanto os demais alunos reviram os olhos com a mão no queixo.

Como Rachel afirma, ela foi contratada para opinar. Acho que o problema está aí. Ela recebe um salário para dar a sua opinião e, para valer o dinheiro que ganha, precisa aparecer com comentários controversos, que dêem o que falar. Ela deixa de lado os pilares do jornalismo e emite suas opiniões pessoais de maneira descuidada. Como indaga Emanuelle Najjar, jornalista de São Paulo, em uma edição do ano passado do Observatório de Imprensa “Até que ponto um jornalista, em pleno exercício de sua profissão, pode se despir de um de seus princípios básicos? Até que ponto ele pode se arriscar em algo que pode soar como ofensivo ou pessoal usando das facilidades propiciadas por seu meio?” Há aqueles que utilizam do espaço que possuem para prestar um serviço, emitindo suas opiniões sobre temas diversos de maneira embasada. Para mim, o problema de Rachel é que ela apresenta um discurso falacioso, seus argumentos defendidos com unhas e dentes são falhos. Em uma mesa de bar, em uma conversa com amigos é comum surgirem comentários supérfluos, sem estudos aprofundados. Mas para emitir opiniões em rede nacional é necessário um apuramento e pesquisa aprofundados.

Em um de seus vídeos ela fala que enquanto está acontecendo todo esse rebuliço por conta de Marco Feliciano presidir a Comissão de Direitos Humanos, na Comissão de Constituição e Justiça “os recém-condenados José Genoíno e João Paulo Cunha são recebido de braços abertos”. Concordo que deveriam estar acontecendo mais movimentos contra a presença dos mensaleiros no Senado, mas um evento não anula o outro. Ela pergunta quem é o pior “o pastor que não mede as palavras ou os mensaleiros com um pé no presídio”. Marco Feliciano não está sendo atacado por ser pastor, mas por ter opiniões ofensivas contra as minorias e estar em uma Comissão que deveria exatamente defender essas pessoas. Os ativistas não têm que escolher apenas uma causa para lutar. Em um dos comentários acerca do vídeo alguém fala que é contra a presença de Marco Feliciano na Comissão de Direitos Humanos e que assinou o abaixo-assinado para a retirada de Renan Calheiros do Senado. Ser contra o “pastor” não nos faz coniventes com os corruptos na política. Tanto um fato como o outro são motivos de indignação da população.

No vídeo de mais repercussão atualmente Rachel afirma “que um homem não pode ser condenado por suas crenças nem discriminado por causa delas”, referindo-se a Marco Feliciano. E termina dizendo que “quem não estiver preparado para a democracia que renuncie a ela”. O caso é que, como afirma Alberto Dines,“a democracia de Marco Feliciano é uma caricatura de democracia. Não deve nem pode prosperar”. Marco Feliciano foi escolhido democraticamente sim, da mesma maneira que Renan Calheiros foi eleito presidente do Senado, e nem por isso temos que concordar com esses eventos. Marco Feliciano tem direito a sua crença e a suas opiniões, mas a liberdade de expressão não garante a propagação de crimes de racismo e homofobia.

Em outro momento ela tece comentários sobre o pedido de retirada da inscrição “Deus seja louvado” nas notas de reais. Ela afirma que “honestidade, liberdade, respeito e justiça” são princípios do cristianismo. Quer dizer, então, que ateus, budistas, espíritas não defendem tais princípios? Esses são pilares que todos os seres humanos, independente de religião, devem seguir. E o lema da Revolução Francesa, “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”? É muita ingenuidade creditar ao cristianismo princípios defendidos por quase todas as crenças. No mesmo vídeo ela fala que a retirada de tal inscrição é uma ingratidão com o cristianismo que influenciou nossa cultura. Se tivéssemos que demonstrar nossa gratidão com religiões que influenciaram nossa cultura, talvez fosse o caso de colocarmos também inscrições das religiões africanas e das tradições indígenas no nosso dinheiro. O caso é que o Estado é, ou deveria ser, laico. Não é uma questão de perseguição contra o cristianismo, apenas a luta pelo laicismo das instituições.

Rachel Sheherazade tem o direito de expressar suas opiniões, como também temos o direito de criticar alguns dos seus comentários. Citando novamente Emanuelle Najjar, “toda forma de expressão é passível de análise e aquilo que deveria ser um sopro de vida a uma fórmula desgastada pode se transformar em uma armadilha traiçoeira”.

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