quinta-feira, 4 de abril de 2013

Eu não quero ser jornalista

Larissa Guedes




“Até que ponto o jornalismo brasileiro está disposto a ir para assegurar sua audiência?”, “Será mesmo necessário abandonar todos os princípios éticos e morais do jornalismo em busca de audiência?”, “Quais os limites que ainda restam para serem ultrapassados pelo jornalismo sensacionalista, disfarçado de jornalismo policial?”, “Este é o tipo de jornalismo que a população quer assistir, ou ela assiste-o, porque não há outra opção?”, “Será completamente utópica a ideia de um jornalismo que informe sem agredir ninguém?”, e “Até quando vamos deixar esse tipo de programa violar impunemente a integridade da sociedade?”. Estas são algumas das perguntas que eu me faço quando me deparo com o jornalismo policial, sensacionalista e até mesmo cômico que domina as grades televisivas, radiofônicas e até as páginas de certos jornais “populares” no estado.

Esse jornalismo não se baseia e não se atém a nenhum tipo de preceito, seja ele ético ou moral, ele busca apenas o lucro. E para tal fim, os programas se utilizam de vários artifícios, como exibição de cenas chocantes, linguagem e palavreado chulo, espetacularização da notícia (e desgraça alheia) e recursos cômicos (tentando entreter para prender a atenção da audiência), como efeitos sonoros, ou o cajado do apresentador paraibano Samuka Duarte, ou até os jargões ditos pelos apresentadores (“É gradenal neles”, “Deu águia”,etc).

A cada dia aparece mais uma atrocidade que é feita por esses que se chamam de jornalistas. Todos os dias vemos cenas explícitas de estupro sendo mostradas em plena hora do almoço, imagens de pessoas baleadas, esfaqueadas e desfalecendo, etc., mas isso já se tornou banal e a população se mostra omissa ou anestesiada diante desta realidade.

Nesse tipo de programação vemos muitas entrevistas em delegacias nas quais os repórteres zombam, humilham e ridicularizam excessivamente os acusados. E quando estes reagem e tentam se defender, são julgados e condenados ao vivo, quando ficam acuados, são mais ridicularizados ainda. Por que isso é permitido e até apoiado pela população? Só porque o indivíduo cometeu um crime ele merece ser motivo de chacota? Não, antes de ser um criminoso, ele é um ser humano. Por pior que tenha sido o crime cometido, a pessoa não merece ser humilhada e ridicularizada dessa forma.Sim, ele merece cumprir pena pelo crime que cometeu e podemos até execrar os seus atos, mas devemos seguir os Direitos Humanos. Esse tipo de coisa não pode ser chamada de jornalismo! O verdadeiro jornalista deve sempre prezar pela verdade imparcial, opor-se ao autoritarismo e à opressão e, especialmente, defender e seguir os princípios estabelecidos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos.Esta lá no Código de Ética do Jornalista!

Onde está o Estado para defender a integridade da sociedade, mesmo quando esta não clama por justiça? Onde está o Ministério Público para tomar alguma atitude com relação ao conteúdo desse jornalismo policial? O MP só entra em cena, só faz alguma coisa quando há uma comoção da sociedade em relação a um caso específico, quando uma dessas atrocidades cometidas pela mídia tem grande repercussão. Ao comentar sobre um caso desse tipo, a jornalista ThamiresCoêlho escreve: “Não foi o desrespeito à integridade física e moral de um ser humano que levou à punição, mas a visibilidade virtual dos abusos ali cometidos e a inquestionável reprovação da sociedade diante do ocorrido, como se a deturpação do jornalismo policial não fosse algo corriqueiro. Se o sensacionalismo jornalístico fosse motivo de punição (por si só), muitas grades de emissoras de televisão e radiodifusão estariam desfalcadas de programas que lhes rendem enorme audiência – bem como muitos portais denominados noticiosos seriam proibidos de divulgar boa parte de suas matérias da editoria de Polícia.”

“Vale a pena subsumir uma possível ética existente em detrimento da conquista de audiências massivas e lucrativas?”, questionam Joel Felipe Guindani e Éderson Silva em um artigo no blog Observatório da Imprensa. E questiono eu a mesma coisa! Vale mesmo a pena esquecermos todos os princípios morais, éticos, civis e humanos por dinheiro? Vivemos em um mundo capitalista, em que a produção e a venda dominam as relações e afetam as decisões, mas se isso continuar e a ambição pelo capital superar os valores morais vamos nos tornar uma sociedade primitiva e “animalesca”. Além disso, a população ficará cada vez mais alienada e inculta, e isso se torna um ciclo vicioso: só produzimos isso porque dá audiência, e isso só dá audiência porque só produzimos isso.

Como foi questionado no início deste texto, será mesmo completamente utópica a ideia de um jornalismo que informe sem agredir ninguém? Não! Mas a população precisa de mudanças, precisa de educação, para aprender a discernir o que é bom e o que é ruim enquanto produto midiático, o que lhe acrescenta algo e o que só ilude e aliena, o que é o bom jornalismo e o que não deve ser tolerado na mídia.É preciso ter em mente que o jornalismo tem uma responsabilidade social de informar, formar opiniões, levar o cidadão a uma reflexão crítica sobre o que está acontecendo na sociedade e até de educar. Cada profissional da comunicação deve ter a consciência do seu papel fundamental na sociedade, da sua responsabilidade social perante esta e se recusar a fazer esse jornalismo recheado de conteúdos de "entretenimento" de baixa qualidade e sensacionalista.

Para que o jornalismo sério, correto e ético ganhe verdadeiramente seu espaço na sociedade, inclusive nas classes mais baixas, é necessário que a população tenha educação e cultura. Isso é um investimento a longo prazo, precisamos tentar nos tornar uma sociedade menos imediatista e capitalista, pelo bem de nós mesmos, e assim, colheremos os frutos mais tarde.

Podem me chamar de iludida, de ingênua e de tola, mas se for para participar desse jornalismo deturpado de suas funções basilares, eu não quero ser jornalista!

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