quarta-feira, 3 de abril de 2013

Eliane Brum: defesa por mais empatia no que se conta

Aíla Muniz


Todos já sabemos das inverdades, más apurações e sensacionalismos (no sentido mais pejorativo da palavra) da imprensa. Não há dúvidas também de que esse tipo de comportamento deva ser colocado em pauta e analisado. Mas não é só de jornais que deturpam e jornalistas escravos do sistema que se forma a classe. Volta e meia, trabalhos mais aprofundados surgem. É o que acontece nos textos de Eliane Brum para a revista Época.

Brum já ganhou mais de 40 prêmios nacionais e internacionais e é conhecida por suas matérias não tão objetivas e enquadradas (muitas de cunho social). Suas colunas na Época perpassam temas que, através das histórias de pessoas comuns, expõem o cotidiano de tantos outros “desconhecidos” ao jornalismo convencional. Os que antes eram partes coadjuvantes das matérias usuais, passam a protagonizar as situações retratadas pela colunista. Através de suas personagens reais, Eliane Brum faz os leitores refletirem sobre saúde, política, economia, assistencialismo, corrupção, etc. É a partir de universos individuais que ela nos faz parar para analisar os contextos nos quais tais universos estão inseridos:

Cristina foi sepultada no mesmo dia em que o Papa renunciou. Enquanto no Vaticano Bento XVI acontecia, ali, em Aiquile, Cristina desacontecia. Não havia uma relação de causa e efeito no fato de que o mundo vivia um de seus espasmos, e na cidadezinha boliviana um cortejo comprido levantava poeira ao passar pelas ruas carregando Cristina. Era uma coincidência, só, que para aquele séquito, a decisão de Bento XVI não era notícia. Talvez, dias depois, alguém tenha comentado: “Parece que aquele Papa que renunciou usa marca-passo. Como a Cristina”. Era só o que os dois personagens, um de um drama acontecido, outra de um desacontecido, tinham em comum. E é aqui que as histórias se separam, porque o Papa jamais esteve na de Cristina, além desse encontro fortuito. Desse azar do Papa, que teve a dramaticidade do seu ato empanada pela grandeza do adeus de Cristina. […] Há sempre várias maneiras de descrever a causa da morte de alguém. A mais corriqueira seria dizer que Cristina morreu da doença identificada pelo brasileiro Carlos Chagas no início do século XX. É uma verdade que ela tenha morrido de doença de Chagas. Mas é uma verdade pequena. É preciso ampliar um pouco mais essa verdade. Cristina morreu porque a indústria farmacêutica não tem interesse em pesquisar tratamento, vacina e cura para as doenças dos pobres, as doenças de quem não pode pagar por medicamento. Cristina morreu porque, apesar de fazer um século que a doença foi descrita, a principal droga usada para o seu tratamento foi desenvolvida para outra patologia em 1960 e é produzida hoje apenas no Brasil, por um laboratório público, e na Argentina. Cristina morreu porque esse medicamento só alcançou a região onde ela vivia neste século, levado pela organização humanitária Médicos Sem Fronteiras, e para ela já era tarde demais. Cristina morreu porque os camponeses moram em casas de pau a pique, cobertas de palha, onde até hoje em algumas delas centenas de barbeiros se escondem – centenas, até milhares em cada casa. E, se os camponeses mal tem o que comer, não há nenhuma chance de melhorarem o seu teto. Cristina morreu porque os barbeiros não são exterminados como poderiam e deveriam ser – e pessoas como ela são entregues a insetos que transmitem um parasita que pode matá-las. Cristina morreu, como os outros 14 mil que morrem da doença a cada ano, nas porções pobres do mundo e também na Amazônia brasileira, por causa da nossa omissão. Cristina morreu de silêncio. Leia o texto todo aqui.

Em histórias como a de Cristina, a escritora nos permite conhecer situações muito além do lead convencional. Ela não quer ficar restrita à passagem da informação, mas fazer com que as pessoas pensem. A emoção provocada é acompanhada de inquietação sincera e desejo de mudança. Os textos da colunista provocam ações efetivas, à medida que usam de ações efetivas para serem compostos. Além disso, Brum usa conceitos reais das ciências sociais em linguagem acessível, sem deixar de lado a sensibilidade que suas histórias, de fato, têm:

"Ela sabe quando acorda que é preciso converter carne em linguagem. O horror sem nome em algo que possa ser nomeado. Só é possível viver com aquilo que podemos dizer. É isso que nos faz humanos". Para ler na íntegra: aqui.

É em defesa de leituras como os textos de Brum que venho. É em defesa de uma empatia honesta e de um sensacionalismo de vertente ética que estou. O lead e objetivismo do jornalismo convencional não são suficientes, muito pelo contrário, são ocos. Os partidarismos disfarçados são muito menos valorosos que tomar o partido de alguém como Cristina. É em defesa de histórias mais aprofundadas sobre pessoas como eu ou você; dessa linguagem emocional, sincera e acessível ao tratar de assuntos sérios e densos. Que muitas outras Elianes Brums surjam, provando que isso é possível de se fazer.

Maria Rodríguez Barrios (à dir.) e Cristina Salazar López

Para ler as colunas de Brum toda segunda-feira, clique AQUI.

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