quarta-feira, 3 de abril de 2013

Crise aérea


Gabriel Romio



       Carlos não era rico o bastante pra ter o seu próprio helicóptero. Quase ninguém é, na verdade. Por isso, restou-lhe, assim como para outras milhões de pessoas, a opção de fazer o financiamento de um carro popular.
Como bom cidadão, ele se levantava cedo e pegava seu carro para se deslocar todos os dias para o trabalho. Por infelicidade ou coincidência, muita gente tinha o azar de ter que trabalhar também. Com isso, o caos estava feito.
O congestionamento só não era maior que o ódio de Carlos. Todo santo dia, a rotina girava em torno de buzinas, gritos, palavrões, cabeçadas no volante e úlceras de gastrite. Isso se manteve até vir o diagnóstico de “stress”, que o fez desistir do seu automóvel.
      “Pelo bem do meio ambiente, o transporte coletivo é a melhor opção”, mentia pra si e justificava para os outros. Ele só não sabia se todas aquelas pessoas que dependiam do ônibus não tinham carro, ou tinham tanta consciência ambiental. O melhor era não tirar a dúvida com o cobrador, mal-humorado por natureza.
      O calor infernal, os abraços compulsórios de gente suada, a habilitação comprada do motorista e o desaparecimento de alguns pertences durante a viagem foram tirando Carlos do seu estado saudável de sanidade. Ele não aguentava mais tanta gente pedindo dinheiro, vendendo bala, fazendo batucada e lamentando a vida.
Enfim, já havia acontecido o bastante para fazer as ideias de Carlos mudarem. Ele precisava achar uma solução com menos molestamentos. “Bicicleta! Vamos nos exercitar e mostrar como é que se faz num país desenvolvido”, pensou, dando a lição em si mesmo. Com capacete, joelheiras, cotoveleiras e coragem ele seguiu para sua nova empreitada.
Por sorte ele sobreviveu. A bicicleta não. Um dia de ciclismo serviu pra ele concluir que os playboys se acham os donos da rua com seus brinquedos importados; que motoristas de ônibus acham que o salário vai aumentar, caso mudem de faixa a cada minuto; que os pedestres só acreditam na morte por veículos motorizados; e que as mulheres... melhor não.
Carlos estava prestes a entregar os pontos. Resolveu adotar uma medida drástica. Iria agora, custe o que custar, até seu trabalho do jeito que Jesus se orgulharia: a pé. “Eu moro a duas quadras do trabalho. Por que não pensei nisso antes?”. E foi confiante e entusiasmado.
A regra era clara: erguer o braço, esperar na faixa e atravessar a rua - só que não. Se não fosse um cego a ajudá-lo a atravessar, Carlos teria passado o dia inteiro com o braço erguido na esquina. Teve sorte e não viu o que isso acarretaria se permanecesse ali com o cair da noite.
Nada funcionava e Carlos sucumbia. Ele precisava disso resolvido. Como viveria sem a garantia de se locomover? Ele estava preso em sua própria casa? Será que o visitariam? Ele morreria sozinho?
       Finalmente, eis que ele chega a uma decisão definitiva e que o manteria vivo. “Preciso de dinheiro! Vou comprar um helicóptero!”. Só não sabia como iria para o trabalho no dia seguinte.




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