terça-feira, 16 de abril de 2013

Inverdades ditas com humor refletem verdades nada engraçadas

Juliana Freire


“Uma pesquisa da Universidade de Navarra, na Espanha, garante: Os maridos têm audição seletiva. De acordo com os cientistas, homens casados há mais de dois anos costumam ouvir apenas o que interessam a eles”. Pergunto-lhe: depois de assistir a esta manchete na TV, você se interessaria em acompanhar o desenrolar da notícia? Acreditaria ser ela verdadeira?

“O Sensacionalista”, veiculado no Multishow, é o produtor desta matéria e, apesar de pautar-se em fatos improváveis de acontecerem, vem “pegando” muita gente. Caracterizado como um programa humorístico que faz autorreferência ao jornalismo em geral e ao sensacionalista em particular, aquele cria notícias fictícias estruturadas de acordo com a linguagem utilizada num jornalismo dito “sério”, comprometido com a verdade.

Utilizando-se dos recursos do metadiscurso e do humor, “O Sensacionalista” traz à tona a reflexão sobre o que é ou não verídico nos telejornais convencionais tão comprometidos em passar a imagem de espelho da realidade. Por ser estruturado com a mesma linguagem, a mesma estratégia discursiva, a mesma entonação de voz, o mesmo cenário, o mesmo perfil de apresentadores, de âncoras e personagens de um jornal de credibilidade, o programa transmite ao telespectador a ideia de que o que está sendo ali dito existe, é real, é verdadeiro, ainda que seja improvável.

Esta é uma crítica bastante forte ao imaginário social configurado a partir da repetição realizada pela própria mídia de que o jornalismo é o detentor da verdade, de que é desnecessário checar outras fontes de informação, já que o conteúdo transmitido por aquele meio é a representação da realidade tal qual ela é. O que já é um paradoxo em si, visto que a representação é um recorte, uma versão do todo, e, portanto a realidade em partes e não em totalidade, como o sugerido. Ao jornalismo “sério”, contudo, interessa conceituar-se e vender a ideia de produtor da verdade absoluta. E, muita gente, ainda cai nessa.

Já vi universitários bem instruídos, ditos até críticos, compartilhando em redes sociais matérias fictícias- como a “da audição seletiva dos homens casados”- veiculadas em meios que alertavam inclusive que tudo ali não passara de uma brincadeira, discursando sobre elas como se os fatos narrados fossem reais.

“O Sensacionalista” nos permite refletir, então, o quanto consumimos de forma inconsciente essa versão de “jornalismo = realidade”. Parece-me que engolimos a notícia só por ela estar estruturada como tal. Dessa forma, as perguntas que o programa permite lançar, através do humor, aos telespectadores são: “onde está a nossa criticidade?”, “como o jornalismo conseguiu legitimar-se de tal forma como detentor do conhecimento que não pensamos ser inverdade o que ele diz?”, “até que ponto somos crédulos e pautados por qualquer discurso que sai da boca de jornalistas famigerados por sua credibilidade?”. Diz, Bonner! Ah, desculpa o lapso de memória. Para o dono do “Boa Noite!” mais conhecido do Brasil, é mais interessante perguntar a nossa opinião e fazer-nos refletir sobre qual gravata ele deve vestir para apresentar o Jornal Nacional de logo mais.

A quem interessar assistir a matéria da audição seletiva dos homens casados, segue o vídeo:

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