quarta-feira, 24 de abril de 2013

Confissões de uma foca

Foto: Renata Leitão
Renata Leitão

A rotina de uma redação de televisão passa longe da normalidade. Com pouco tempo de experiência que tenho, é impossível prever diariamente as atividades a serem exercidas. Da elaboração de pautas às marcações, da checagem de informações às notas, não se sabe ao certo o que vem depois. Em meio a esse meio caótico surge a oportunidade de fazer o que chamamos de “externa”, como não sou repórter, minha tarefa era apenas colher informações e entrevistas por meio de sonoras, “falas“.

Minha primeira pauta carregava consigo uma grande carga emocional, na qual eu precisava ser forte, pois se tratava do desaparecimento de uma pequena de apenas 11 anos. Neste dia completavam quase 3 meses que a garotinha havia desaparecido, sem mais nem menos, sem vestígio algum. O crime obviamente comoveu toda a cidade, mas não havia comoção maior da que eu viveria naquela noite. Conversei com organizadores da mobilização que clamava por respostas das autoridades diante das investigações, com o pai, com a tia, mas nada se comparava ao olhar desamparado daquela mãe.

Ao começar a gravação, ela me respondia pergunta por pergunta, e de repente, eu me deparo com aqueles olhos cheios de lágrimas que em fração de segundos invadiram os meus e me fizeram enchê-los também. Naquele momento, eu percebi que a jornalista tinha ido embora junto com os outros entrevistados, agora eu era humana, filha, futura mãe e não consegui prosseguir, pois as informações necessárias já haviam sido colhidas e não me cabia sugar e expor as emoções daquela senhora.

Dois dias depois, eis que me aparece a grande ironia do destino. Surgem pistas de quem poderia ser, onde estava, o suposto assassino da menina. Mais tarde veio a confirmação, o assassino confesso da adolescente era um vizinho conhecido da família. Para o bem, toda aquela angústia provocada pela falta de respostas cessava, mas para o mal, a menina havia, de fato, sido assassinada.

E assim deu-se início a temporada de espetacularização do caso. Teve emissora ditada como sensacionalista que mostrou durante a cobertura (show), urso de pelúcia ainda com o cheiro da menina, o quartinho com os pertences da adolescente, cachorro de estimação do assassino, entre outros integrantes. Era mesmo necessário expor esses pequenos detalhes? Ou não passava de uma apelação para pegar o telespectador pelos sentimentos? Afinal quem não se emociona ao ver quão inocente era aquela menininha diante desse mundo, quantos sonhos ela não deixava para trás. O comprometimento com a ética se perdia, dando espaço a minha (e de muitas pessoas) indignação, afinal, não é certo explorar em uma televisão aberta o universo particular de qualquer pessoa. Perguntas como “e o comprometimento com a informação?” acho que nem valem mais pena ser indagada, virou clichê contra o sensacionalismo barato.

Diante desse turbilhão de emoções, informações, comoções, eis que me aparece a segunda oportunidade de fazer a tal “externa”. Dessa vez, cá estou eu, na central de polícia, cara a cara com o assassino. Antes mesmo de sair pra cumprir a pauta, nem eu mesma sabia o que me esperava, e foi apavorante ver aquele rapaz, ali na minha frente algemado por ter cometido um crime tão bárbaro como aquele. Mais uma vez, constatei uma determinada emissora entrevistando o indivíduo e no popular “esculhambando” mesmo. Aquele clima pesado me fez tremer dos pés à cabeça, eu respirei fundo e pra falar a verdade, acho que se for pra falar asneiras, melhor o silêncio, por isso não consegui emitir palavra alguma, calei-me. Afinal, nada do que fosse dito iria curar as cicatrizes cravadas em tantas pessoas por um só homem.

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