quarta-feira, 24 de abril de 2013

Confissões de uma foca

Foto: Renata Leitão
Renata Leitão

A rotina de uma redação de televisão passa longe da normalidade. Com pouco tempo de experiência que tenho, é impossível prever diariamente as atividades a serem exercidas. Da elaboração de pautas às marcações, da checagem de informações às notas, não se sabe ao certo o que vem depois. Em meio a esse meio caótico surge a oportunidade de fazer o que chamamos de “externa”, como não sou repórter, minha tarefa era apenas colher informações e entrevistas por meio de sonoras, “falas“.

Minha primeira pauta carregava consigo uma grande carga emocional, na qual eu precisava ser forte, pois se tratava do desaparecimento de uma pequena de apenas 11 anos. Neste dia completavam quase 3 meses que a garotinha havia desaparecido, sem mais nem menos, sem vestígio algum. O crime obviamente comoveu toda a cidade, mas não havia comoção maior da que eu viveria naquela noite. Conversei com organizadores da mobilização que clamava por respostas das autoridades diante das investigações, com o pai, com a tia, mas nada se comparava ao olhar desamparado daquela mãe.

Ao começar a gravação, ela me respondia pergunta por pergunta, e de repente, eu me deparo com aqueles olhos cheios de lágrimas que em fração de segundos invadiram os meus e me fizeram enchê-los também. Naquele momento, eu percebi que a jornalista tinha ido embora junto com os outros entrevistados, agora eu era humana, filha, futura mãe e não consegui prosseguir, pois as informações necessárias já haviam sido colhidas e não me cabia sugar e expor as emoções daquela senhora.

Dois dias depois, eis que me aparece a grande ironia do destino. Surgem pistas de quem poderia ser, onde estava, o suposto assassino da menina. Mais tarde veio a confirmação, o assassino confesso da adolescente era um vizinho conhecido da família. Para o bem, toda aquela angústia provocada pela falta de respostas cessava, mas para o mal, a menina havia, de fato, sido assassinada.

E assim deu-se início a temporada de espetacularização do caso. Teve emissora ditada como sensacionalista que mostrou durante a cobertura (show), urso de pelúcia ainda com o cheiro da menina, o quartinho com os pertences da adolescente, cachorro de estimação do assassino, entre outros integrantes. Era mesmo necessário expor esses pequenos detalhes? Ou não passava de uma apelação para pegar o telespectador pelos sentimentos? Afinal quem não se emociona ao ver quão inocente era aquela menininha diante desse mundo, quantos sonhos ela não deixava para trás. O comprometimento com a ética se perdia, dando espaço a minha (e de muitas pessoas) indignação, afinal, não é certo explorar em uma televisão aberta o universo particular de qualquer pessoa. Perguntas como “e o comprometimento com a informação?” acho que nem valem mais pena ser indagada, virou clichê contra o sensacionalismo barato.

Diante desse turbilhão de emoções, informações, comoções, eis que me aparece a segunda oportunidade de fazer a tal “externa”. Dessa vez, cá estou eu, na central de polícia, cara a cara com o assassino. Antes mesmo de sair pra cumprir a pauta, nem eu mesma sabia o que me esperava, e foi apavorante ver aquele rapaz, ali na minha frente algemado por ter cometido um crime tão bárbaro como aquele. Mais uma vez, constatei uma determinada emissora entrevistando o indivíduo e no popular “esculhambando” mesmo. Aquele clima pesado me fez tremer dos pés à cabeça, eu respirei fundo e pra falar a verdade, acho que se for pra falar asneiras, melhor o silêncio, por isso não consegui emitir palavra alguma, calei-me. Afinal, nada do que fosse dito iria curar as cicatrizes cravadas em tantas pessoas por um só homem.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

A pele que habito: O thriller de Almodóvar

Isabela Almeida


Sempre fico ansiosa para ver o próximo lançamento de Almodóvar. Com “A pele que habito” não foi diferente, assisti com a expectativa de ser mais uma obra prima do diretor. Logo nas primeiras cenas, notei que o longa, com clima de suspense e cores mais sóbrias, fugia um pouco das referências que tinha do universo almodovariano. O cineasta espanhol experimentou deixar os espectadores tensos na cadeira do cinema durante cada minuto das duas horas de filme. E deu certo.

A inspiração foi o livro "Mygale", de Thierry Jonquet, que traz a figura de um pai que conduz uma vingança. No filme isso ocorre devido a um estupro cometido contra sua filha.
Almodóvar presenteou Antônio Banderas com esse personagem instigante. Robert, cirurgião plástico renomado, pesquisa a criação de pele artificial. Isso ocorre depois de perder a mulher, que cometeu suicídio após ter sido gravemente queimada num acidente. O ator surpreende e interpreta brilhantemente um homem com sua obsessão. Através de experimentos científicos, o estuprador (Jan Cornet) se transforma em Vera, que é prisioneira do cirurgião e vigiada 24 horas por dia. A interpretação de Elena Anaya para este personagem também é digna de muitos aplausos.

Tecnicamente, o diretor investe nos ambientes fechados, causando uma claustrofobia no espectador, para fazer perceber as sensações dos personagens. A trama também se desenrola de forma não linear e, aos poucos, o público compreende a origem dos acontecimentos, através do recurso do flashback.

A sexualidade humana sempre foi trabalhada nos filmes de Almodóvar de forma escancarada, sem muito romantismo, crua e real. “A pele que habito” não foge a regra, e também traz uma temática recorrente nas obras do cineasta, a transexualidade. Nesse caso, o distanciamento que o ser humano pode sentir entre o corpo e o espírito é uma das reflexões que o filme proporciona. O abuso das intervenções estéticas é outra. O suspense, a imprevisibilidade, o elenco marcante e o enredo inovador fizeram de “A pele que habito” um filme difícil de esquecer.

terça-feira, 16 de abril de 2013

Inverdades ditas com humor refletem verdades nada engraçadas

Juliana Freire


“Uma pesquisa da Universidade de Navarra, na Espanha, garante: Os maridos têm audição seletiva. De acordo com os cientistas, homens casados há mais de dois anos costumam ouvir apenas o que interessam a eles”. Pergunto-lhe: depois de assistir a esta manchete na TV, você se interessaria em acompanhar o desenrolar da notícia? Acreditaria ser ela verdadeira?

“O Sensacionalista”, veiculado no Multishow, é o produtor desta matéria e, apesar de pautar-se em fatos improváveis de acontecerem, vem “pegando” muita gente. Caracterizado como um programa humorístico que faz autorreferência ao jornalismo em geral e ao sensacionalista em particular, aquele cria notícias fictícias estruturadas de acordo com a linguagem utilizada num jornalismo dito “sério”, comprometido com a verdade.

Utilizando-se dos recursos do metadiscurso e do humor, “O Sensacionalista” traz à tona a reflexão sobre o que é ou não verídico nos telejornais convencionais tão comprometidos em passar a imagem de espelho da realidade. Por ser estruturado com a mesma linguagem, a mesma estratégia discursiva, a mesma entonação de voz, o mesmo cenário, o mesmo perfil de apresentadores, de âncoras e personagens de um jornal de credibilidade, o programa transmite ao telespectador a ideia de que o que está sendo ali dito existe, é real, é verdadeiro, ainda que seja improvável.

Esta é uma crítica bastante forte ao imaginário social configurado a partir da repetição realizada pela própria mídia de que o jornalismo é o detentor da verdade, de que é desnecessário checar outras fontes de informação, já que o conteúdo transmitido por aquele meio é a representação da realidade tal qual ela é. O que já é um paradoxo em si, visto que a representação é um recorte, uma versão do todo, e, portanto a realidade em partes e não em totalidade, como o sugerido. Ao jornalismo “sério”, contudo, interessa conceituar-se e vender a ideia de produtor da verdade absoluta. E, muita gente, ainda cai nessa.

Já vi universitários bem instruídos, ditos até críticos, compartilhando em redes sociais matérias fictícias- como a “da audição seletiva dos homens casados”- veiculadas em meios que alertavam inclusive que tudo ali não passara de uma brincadeira, discursando sobre elas como se os fatos narrados fossem reais.

“O Sensacionalista” nos permite refletir, então, o quanto consumimos de forma inconsciente essa versão de “jornalismo = realidade”. Parece-me que engolimos a notícia só por ela estar estruturada como tal. Dessa forma, as perguntas que o programa permite lançar, através do humor, aos telespectadores são: “onde está a nossa criticidade?”, “como o jornalismo conseguiu legitimar-se de tal forma como detentor do conhecimento que não pensamos ser inverdade o que ele diz?”, “até que ponto somos crédulos e pautados por qualquer discurso que sai da boca de jornalistas famigerados por sua credibilidade?”. Diz, Bonner! Ah, desculpa o lapso de memória. Para o dono do “Boa Noite!” mais conhecido do Brasil, é mais interessante perguntar a nossa opinião e fazer-nos refletir sobre qual gravata ele deve vestir para apresentar o Jornal Nacional de logo mais.

A quem interessar assistir a matéria da audição seletiva dos homens casados, segue o vídeo:

sábado, 13 de abril de 2013

A crise do jornal impresso e sua reinvenção

Jacy Araújo


O jornal impresso brasileiro passou por grandes mudanças desde a sua chegada com a família real em 1808. De lá para cá, entre todos os meios de comunicação, o jornal tradicional sofreu uma grande crise no final dos anos 90. O surgimento das novas mídias – TV e principalmente a internet – abalou o setor. O jornal impresso passou por uma verdadeira crise de identidade. Os jornais brasileiros precisavam – e ainda precisam - se adaptar ao novo contexto social para que os leitores não deixem de ler as edições impressas.

A questão que permeia a sobrevivência do jornal impresso nos dias de hoje é quanto ao conteúdo dos periódicos. O que vemos todos os dias na mídia impressa são, na maioria da vezes, notícias disponíveis na internet ou já exibidas na televisão. O factual continua sendo o foco do jornal tradicional. Thomaz Souto Corrêa, o vice-presidente do Conselho Editorial do Grupo Abril, costuma dizer que “se os jornais não conseguirem reinventar o produto que entregam todas as manhãs aos seus assinantes e que despejam nas bancas, vão mesmo perder público e anunciantes em um ritmo proporcional ao do crescimento das mídias eletrônicas, em especial a Internet. Todo dia morre o leitor de papel e todo dia nasce o leitor eletrônico”.

Levar para casa do leitor o debate público, abordando textos e reportagens que sirvam para uma maior reflexão sobre os mais diversos assuntos, precisa tomar o lugar da notícia factual do dia anterior, que o leitor provavelmente já terá visto em outras mídias. Atualmente, praticamente nenhum jornal fez uma mudança por esse viés, abolindo a superficialidade da apresentação da informação do dia anterior. Muito jornais inovaram em seus suplementos - a exemplo do Jornal do Comércio em Pernambuco -, com conteúdos bastantes aprofundados e trazendo discussões importantes, mas são poucos. Como ponto positivo, podemos observar que jornais têm dado bastante espaço para os colunistas, as seções de opinião, as análises e os artigos explicativos.

Talvez esse seja o caminho para reinvenção do jornal impresso com qualidade. Porém, é preciso que os jornalistas e os jornais se reciclem e façam uma reformulação mais radical ou haverão duas consequências: eles correrão o risco de se tornarem muito menos importantes do que já são ou os jornais sensacionalistas ganharão a vez e a voz.

Assista ao vídeo sobre a temática:

A gaiola midiática

Umberlândia Cabral


A primeira vez que vi Valesca Popozuda foi quando passava pela sala enquanto meus pais assistiam ao programa Domingo Espetacular, da Record. O desafio da matéria era Valesca, em roupas minúsculas, equilibrar um copo na sua parte mais famosa: a bunda. Na hora revirei meus olhos feministas e pensei em todo o discurso propagado contra as músicas que degradam a imagem da mulher. Não procurei mais nada sobre ela, mas como a internet te impulsiona uma curiosidade acerca de algumas figuras midiáticas, acabei ouvindo uma música da funkeira durante um show de sua banda, a Gaiola das Popozudas, em um vídeo no Youtube.

Na hora pensei que Valesca não tinha consciência do poder que a sua música e sua presença no funk carioca tinha para modificar um ambiente tão machista no qual ela estava vinculada. Grande erro. Um dia li uma matéria que dizia “Valesca Popozuda posa nua para protestar contra o preconceito”. Junto ao texto, o site exibia fotos da funkeira com o próprio corpo pintado com frases do tipo “meu corpo, minhas regras”. Valesca ainda dizia na matéria: “Sonho com o dia que vão parar de rotular as mulheres de puta ou piranha por causa de sua postura de vida, por causa de um determinado trabalho, como é o meu caso. Ninguém tem que julgar ninguém por causa do seu corpo. Por que a mulher que beija dois é piranha e o cara que beija duas é garanhão?”. Ora, a liberdade de escolha da mulher é uma das principais bandeiras do feminismo e era óbvio que Valesca sabia disso e tinha consciência do seu papel. Então, por que será que a mídia não retratava esse lado ativista e sua presença em programas de tv se resumia a equilibrar o copo “daquele jeito”?

Já estamos adaptados à ideia de que ler comentários em um portal de notícias nos leva a uma grande excursão pelo século XVII. Mesmo assim, não resisto e leio. O resultado não pode ser outro: um festival de slut shaming contra uma mulher – que na já citada matéria só pedia a liberdade de agir como bem entender sem ser julgada por isso.

Tentei, então, encontrar exemplos de que a mídia trata Valesca com o tal respeito que ela pede. E em raros momentos eu encontrei. Um deles foi a entrevista ao programa “De frente com Gabi”, do SBT, que já tem a fama de entrevistar personalidades polêmicas. A primeira pergunta que a apresentadora Marília Gabriela faz, no entanto, é sobre o seguro que Valesca fez para “proteger o bumbum”. Depois entra no assunto do silicone e só adiante faz perguntas a respeito da vida pessoal da funkeira, onde mostra um lado mais simples dela. O machismo no universo do funk carioca também é abordado.

Diante de toda a polêmica com o pastor evangélico e deputado Marco Feliciano, que assumiu a presidência da Comissão de Direitos Humanos - mesmo já tendo feitos declarações descaradamente machistas, racistas e homofóbicas -, Valesca emitiu a sua opinião na própria página no Facebook. Junto com fotos de sua visita a Brasília, em frente ao Congresso Nacional, a funkeira postou o seguinte texto:

Preciso fazer um desabafo, estava em Brasília fazendo um show maravilhoso e quis conhecer o nosso congresso nacional, a casa da nossa presidenta , Palácio do Planalto ou seja quis fazer um passeio pela nossa capital, mas ao fazer o passeio, bateu aquela tristeza, bateu a tristeza de uma Brasileira que sempre quer o melhor para o seu país, estamos envolvidos em muitas polemicas, mas uma em especial me chamou a atenção, que é o caso do Deputado Federal Marcos Feliciano atual presidente da comissão de Direitos Humanos e Minorias, Nada contra a pessoa dele como Pastor, até porque não venho aqui comentar ou falar sobre os vídeos que eu vi na internet dele pedindo até senha de cartão de débito e pegando dinheiro dos fieis, isso é um problema entre a religião dele e seus seguidores, afinal de contas no fim da vida ele vai ter que prestar contas com Deus e isso tudo podem ter certeza que será posto na balança, e sim venho dizer e reclamar como cidadã a forma em que ele trata os Negros e os Gays, como uma pessoa que usa as palavras que ele usa, que tem os pensamentos que ele tem pode se tornar presidente de uma comissão para tratar dos direitos humanos? Ser Gay, ser negro, ser branco ou Roxo , católico, evangélico, espírita ou judeu não faz ninguém menos e nem mais Humano que o outro, gente o Brasil é um país laico, e a religião não pode se confundir com a política, infelizmente é isso que está acontecendo nesse momento! Não podemos fechar os olhos e deixar acontecer. Não se pode pregar dentro do congresso , estou envergonhada nesse momento pois existiu uma votação para escolher a pessoa para presidir essa comissão e usaram religião e interesses políticos (Como sempre né?) para escolher um representante que não aceita e nem reconhece as minorias. Enfim fica meu protesto e desagrado na escolha dele. Espero que façamos algo contra, e não fiquemos de braços cruzados deixando o barco ir na direção contrária fazendo um retrocesso no Brasil.

Houve uma avalanche de comentários na página de Valesca, com muitos usuários tentando desqualificá-la por causa de sua música e de suas performances. Outras pessoas, em número menor, defendiam opinião da cantora e o seu bom senso. É importante destacar aqui que Valesca quase nunca aparece em sites de notícias de maior credibilidade jornalística como o G1. Quando alguma notícia referente a ela é destaque, ela é prontamente direcionada ao Ego, o site de fofocas da Globo. A notícia do post de protesto, então, foi dada no Ego com a seguinte manchete: “Com microshort, Valesca Popozuda protesta em frente ao Congresso”. Ora, então a principal observação do site não era o protesto da funkeira contra Marco Feliciano, mas a roupa que ela estava vestindo na ocasião. Uma opinião bem próxima a que os usuários do Facebook comentaram no post.

Já na matéria do portal R7, onde é noticiado um beijo que as atrizes Fernanda Paes Leme e Fernanda Rodrigues deram em protesto contra Feliciano, Valesca aparece da seguinte forma: “Fernanda Montenegro, Xuxa, Elza Soares e até mesmo Valesca Popozuda se mostraram contrárias ao discurso do presidente da comissão”. “Até mesmo”? Segundo a opinião dos jornalistas do site, Valesca seria uma figura mais improvável para protestar contra a presença do pastor na Comissão do que as outras celebridades?

Muitas pessoas chegaram a dizer que a funkeira defende os gays porque eles formam grande parte do seu público. Seguindo essa lógica, Joelma da banda Calypso deveria fazer a mesma coisa, não? O que se nota aqui e em outras declarações de Valesca é que ela tem um senso crítico bem apurado e um trabalho social forte nas comunidades cariocas, o que quase nunca é abordado pela mídia. Há, sim, um desrespeito na maneira em que Valesca é tratada por jornalistas e por muitos usuários de mídias sociais. Pelo jeito, eles não estão preparados para lidar com uma mulher que fala abertamente sobre sexo, equilibra um copo no bumbum e que também pode fazer críticas muito pertinentes à sociedade em que está inserida. O que precisamos é que a mídia acate o pedido da funkeira e pare de rotular as pessoas por causa de um determinado trabalho que ela realiza. Apesar do pseudônimo, Valesca não é só bunda. Ela é cidadã e não só pode, mas deve dar sua opinião sobre política. Além do mais, pela própria formação e trabalho, ela tem um grande convívio com as classes menos favorecidas e sabe bem o que eles precisam. Ainda é necessário vermos mais celebridades com posturas tão críticas quanto a dela, em relação a temas polêmicos como machismo e racismo. Valesca, sim, me representa.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Seria melhor ter uma carroça-faixa?

Bruna Fernandes
Foto: Thais Rezende/ G1 PA


Todos os dias quando faço o caminho de casa para o trabalho, dou de cara com carroças circulando pelas ruas como se fossem carros. Do bairro do Bessa até o Centro da cidade, seja em qualquer turno, é possível observar jegues, cavalos e até mesmo crianças puxando carroças e transitando por grandes avenidas como a Flávio Ribeiro Coutinho (o Retão) e a Tancredo Neves. No meu percurso diário, seja na ida ou na volta, já à noite, passo sempre por no mínimo duas carroças. 

O perigo que essas carroças representam nas ruas é evidente. Elas percorrem a cidade sem dar nenhuma sinalização, não respeitam as regras de trânsito e não têm nenhum dispositivo de segurança, colocando em risco a vida de seus condutores, dos animais e de quem passa perto delas. É mais do que comum ver carroças atravessando o canteiro central – vi isso acontecer inúmeras vezes ali na área de quem chega da BR 230 para entrar no Retão de Manaíra –, andando pela faixa da esquerda, que deveria ser para veículos em maior velocidade, e pela contramão. À noite, além de atrapalharem o fluxo por serem muito mais lentas do que os demais carros, as carroças impossibilitam uma boa visualização, pois não têm mecanismos de iluminação, como faróis. Pior do que esses problemas é a iminência de acidentes graves, que podem ser causados por essa mistura de veículos motorizados e velozes com pedestres e animais de tração. Sem falar no envolvimento de crianças, que também andam por aí desprotegidas em cima de carroças de madeira, carregando lixo, comida.

Fonte: B.O. Animal
A quantidade ainda frequente de carroças por João Pessoa é uma contradição em relação ao aumento da frota de carros da cidade, que de 2000 até fevereiro de 2013 cresceu 181%, segundo dados do Departamento Estadual de Trânsito (Detran). Já o número de motos na capital subiu de 10.438 para 77.207. A Superintendência Executiva de Mobilidade Urbana de João Pessoa (Semob) informou que não faz registro das carroças, o que em tese deveria, sim, ser feito pelo poder municipal. De acordo com a Semob, apenas poucas cidades no Brasil o fazem e aqui não há esse interesse. Dessa forma, ainda de acordo com a Superintendência, as carroças não são fiscalizadas, os carroceiros não podem ser multados e, caso de envolvam em um acidente, a sugestão é tentar “segurar” o responsável, porque, se ele fugir, ninguém o encontra.

Andar de carro ou de moto não significa estar em um lugar desenvolvido e ter excelência no trânsito, isso só acontece quando há um bom transporte público, acessível a todos – o que não é o nosso caso. Ao mesmo tempo, por mais que a carroça ainda seja o meio de transporte e de trabalho de muita gente, ela não pode ser usada como se fosse um veículo igual aos demais e permanecer sem qualquer vigilância.

Colocar em prática o cadastro e a fiscalização das carroças já seria, em parte, uma forma de minimizar os problemas que elas podem causar. Uma medida extrema seria a instalação de uma faixa específica para os carroceiros, mas sei que existiriam as mesmas dificuldades e a mesma ineficiência das ciclofaixas, que não são bem usadas e nem respeitadas. Ainda temos que mudar muito para alcançar um nível aceitável de qualidade nas ruas da cidade, enquanto isso, a torcida é para que as carroças cumpram as leis do trânsito e não provoquem acidentes.

A carona e suas vantagens

Camila Monteiro


Sabe aquele colega de trabalho que mora na rua paralela a sua? Aquele que, de vez em quando, emparelha o carro com o seu no caminho para o escritório e vocês trocam um “até já” seguido de um tchauzinho. É, esse mesmo, esse que você acha meio crianção e que só conta piadas de loira. Já pensou em dar uma carona a ele? É isso que propõe o Caronetas, um site lançado no começo de 2011, em que empresas e colaboradores se cadastram para oferecerem caronas ou usufruírem delas.

O serviço, idealizado pelo empresário Márcio Nigro, é totalmente gratuito e funciona da seguinte forma: empresas, independente da localidade ou do seu porte, cadastram-se no site e, logo em seguida, recebem um link para que seus colaboradores também se cadastrem. Está feito o negócio! Agora, aqueles que possuem carros entram em contato com os demais para oferecerem carona, e os que não possuem, aguardam contato dos caronistas.

Não é difícil perceber todas as vantagens da carona: além de diminuir o fluxo de carros nas ruas, melhorando o trânsito e diminuindo a poluição (e também o estresse de dirigir e o de encontrar vaga de estacionamento em hora de pico); a carona ajuda no bolso. Como frisa o economista e professor Marcos Silvestre (vídeo abaixo), a primeira forma perceptível de poupar é no combustível, e do jeito que a gasolina está cara é uma boa maneira de economizar. A segunda maneira diz respeito ao desgaste natural do carro. Quanto mais ele ficar na garagem, mais se economiza com idas ao mecânico. Há também a chance de economizar com a menor probabilidade de batidas e multas.

O Caronetas possui inúmeras empresas cadastradas em São Paulo, já está se espalhando por todo o país, e pretende consolidar a prática da carona no Brasil. Aqui na Paraíba, segundo o site (confira aqui), apenas a TV Cabo Branco é cadastrada.

Assim, tem-se que divulgar esse trabalho no estado e, na hora em que essa moda chegar de vez aqui, esquecer que você acha aquele colega de trabalho infantil, rir das suas piadas de loira e pensar em quanto você está economizando, ajudando o meio ambiente e a sua cidade, além de ter a chance de conhecer várias outras pessoas com melhores repertórios de piadas.

 

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Nem Funk, nem Frank: o samba do crioulo doido

Flávia Lopes


Seis horas da noite. Dia ordinário, de uma semana fatídica, dentro de um ônibus lotado. Nada mais animador. Como se não bastasse o calor humano que aquecia ainda mais com o balançar do movimento com corpos em atrito: soa um funk. Nada suave. Cada buraco era um “para para para pa pa”. O motorista era funqueiro.

Do outro lado do ônibus, um pagode. E cada lombada era um “bereguedê”. Depois de 30 segundos de barulho simultâneo ninguém mais sabia quem estava cantando o quê: “bere-para-para-para-guedê-pa-pa”. Era literalmente o “samba do criolo doido”. Pensei em entrar na competição de paredão colocando Frank Sinatra, para cada semáforo ser um “New York”.

Para evitar isso, recentemente, os deputados da Assembleia Legislativa da Paraíba, que conhecem todas as dificuldades ordinárias do transporte público, aprovou, por unanimidade, o Projeto de Lei de número 1.229/13. A proposta proíbe o uso de aparelhos sonoros nos transportes públicos em todo o estado. A autoria é do deputado Gervásio Maia (PMDB). O projeto surgiu depois de várias reclamações de usuários que não ficavam muito felizes em escutar o “samba do crioulo doido” durante o trajeto nos transportes públicos. Espera-se apenas a sanção do Governador. 

A Bahia está um passo a frente de nós. Lá, a Lei já foi sancionada no mês de março. A norma também abrange trens, ferry boat, vans, micro-ônibus entre outros meios de transporte. É permitido o uso de aparelhos sonoros, de qualquer natureza, seja mp3, celular, tablet ou outros, desde que o usuário esteja com fones de ouvido. Se o passageiro desobedecer a nova lei, será "convidado" a deixar o transporte coletivo. Caso se recuse a deixar o local, a polícia poderá ser acionada. Na primeira vez que o passageiro cometer a infração, será apenas advertido. Caso seja reicindente, deverá pagar uma multa de R$ 1 mil. 

A tendência de multar quem gosta de escutar som alto em transporte público se espalhou pelo Brasil. Em Pernambuco o “DJ” pode pagar multa de até 10 mil. Em Minas Gerais também não é diferente. A Câmara Municipal de Belo Horizonte aprovou projeto de Lei que proíbe som alto nos transportes públicos. E quem não quiser usar fone de ouvido na hora da música, pode pagar multas de R$ 5 mil a R$ 10 mil. 

Aqui na Paraíba, o som alto já foi motivo de agressão. Em fevereiro deste ano, depois de pedir a um dos passageiros para que baixasse o volume da música do celular, José Paulo da Silva foi agredido no rosto. O caso, que aconteceu dentro de um ônibus da empresa TransNacional – linha 302/ Cidade Verde, foi noticiado pelo Portal Correio. 

Escutar música é uma espécie de catarse, definida por Aristóteles como um tipo de purificação das almas, descarga emocional. As letras, o ritmo, os acordes expurgam sentimentos. Mas nem todos os sentimentos são iguais. Cada música gera um tipo de emoção. A minha não é a mesma que a sua. O sentimento que me desperta um funk, certamente não é o mesmo que me desperta uma música de Frank. Eu voto pela liberdade musical, mas antes disso: eu voto pelo respeito. Nada de “samba do crioulo doido”. Um fone, por favor.

Reportagem sobre poluição sonora do JPB

quarta-feira, 10 de abril de 2013

O eficiente transporte público de Curitiba


Aíla Muniz

Quando se fala em transporte público, para além de todo o caos do trânsito, buzinas, sinais, palavrões e gente estressada, o que me vem à cabeça é Curitiba. Nunca fui a Curitiba, mas de tanto ouvir dos que estiveram lá, absorvi a ideia de que tudo funciona, o trânsito flui, tudo dá certo por lá. E parece que é bem assim mesmo. Segundo entrevista de Luis Gutierrez, diretor da Embarq na América Latina: “a capital do Paraná é um exemplo de cidade dentro do paradigma de transporte sustentável”. Para Toni Lindau, diretor da CTS-BRASIL (Centro de Transporte Sustentável do Brasil): “Curitiba tem uma grande importância pro mundo como exemplo de uma grande cidade que se estruturou a partir do transporte. Curitiba começou a implantar um sistema de ônibus que teve muito sucesso. Evoluiu o seu sistema até o atual, que se chama BRT”.

A Evolução citada por Lindau começou com o que existe hoje em muitas cidades brasileiras: os corredores exclusivos para ônibus. Depois, passaram a existir os chamados articulados (ônibus com sanfonas). Com isso, os ônibus passavam a transportar 120 passageiros, ao invés da capacidade dos convencionais, de 70 pessoas. Depois, passaram a circular pela cidade os biarticulados, o que estendeu a capacidade dos ônibus para cerca de 250 passageiros. Em seguida, foram criados os chamados “ônibus expressos” e as “estações tubo”. Com elas, os ônibus funcionam lembrando a estrutura de metrôs, com entradas e saídas ligadas às respectivas entradas e saídas das “estações tubos”. Isso permite o embarque e desembarque mais eficientes, por serem feitos por mais de uma porta.

Embarque e desembarque feitos nas estações tubo
Luiz Filla, especialista em transporte da URBS diz que o atual sistema usado – BRT – mudou o plano de crescimento do município. “Antes, ele (o crescimento) acontecia em torno do centro. Agora, ele ocorre em torno dos corredores de transporte”, comentou.

A evolução do sistema rodoviário público de Curitiba nos prova ser possível um transporte efetivamente eficiente. Para isso, basta que haja planejamento e investimentos na área. A Paraíba está longe de ter o caos das grandes cidades no trânsito, mas esse provavelmente não será um quadro permanente. É preciso ir se pensando em possíveis ações que melhorem e agilizem o trânsito desde já. Desenvolver práticas como a do BRT é uma maneira de contribuir com o meio ambiente, além de diminuir o estresse e as reclamações. É algo que vale a tentativa.

Fotos retiradas do Blog do Pedro Bigardi

Tornando-se uma estrela em poucos passos.


Beto Pessoa

               
“Eu quero ser muito famosa e ter o seu amor, mas quero sentar no sofá do Jô. Eu quero casar com você e estar na TV. Faturar milhões no BBB”, (LEITTE, Cláudia).

Estrelato e amor, amor e TV, TV e milhões. Filosoficamente duvidosa e com reflexão intrínseca, a esquematização é recorrente na contemporaneidade. Ser famosa, ou como prefere a autora supracitada, FAMO$.A., passou a ser sinônimo de vida plena, quem consegue a graça de alcançá-la chegou ao patamar máximo da realização, a exceção a um mundo cheio de regras.

Em tempos de supervalorização dos famosos instantâneos, como ex-BBBs, mulheres frutas, web celebridades, entre outros, tudo se torna manchete, ficando os pobres mortais dependentes de uma supercriatividade que garanta destaque na atual selva midiática. Você é um desses que seguem o démodé conceito “O trabalho dignifica o homem”? Pior, você não quer saber de trabalho pesado mas ainda assim não alcançou a graça do estrelato, mesmo com fácil acesso a Facebook, Youtube, Instagram entre outras ferramentas de visibilidade social? Não entre em pânico! Este guia pretende ensinar a você, leitora, o que fazer para conseguir o almejado título de Estrela.

O primeiro passo é encontrar sua deusa. No styar system, a deusa é essencial para ter referenciais, ela será seu objeto de projeção e identificação, aquela ou aquilo ao qual você irá se espelhar para construção do seu novo ‘eu’, no caso seu ‘eu’ midiático. Ou você achava que somente sua personalidade iria levá-la ao estrelato? Isso nos leva a segunda lição: em Hollywood, ou mais modestamente, na mídia do estrelato, TUDO PRECISA SER MONTADO. A inspiração pouco importa. Homem, mulher, cantor ou atriz, tudo é válido, desde que alguns pressupostos sejam respeitados.

Em primeiro lugar, beleza é fundamental. Ao travestir-se de aspirante a estrela midiática, você precisa estar sempre bela, preparada para os possíveis olheiros que podem ter a sua volta. Ao encontrar seu referencial, acredite não é tarefa fácil, você necessita fazer-se aparecer. Estar é mais importante que Ser, então esteja em vários lugares [de preferência se essa aparição lhe descolar qualquer visibilidade social, nem que seja aquelas colunas sociais de estética duvidosa].

Atingindo esse patamar, você tornou-se uma starlet, apelido dado por um certo francês chamado Edgar Morin. O mérito parece cobiçado, mas confie no que digo, não é! Starlet nada mais é que “qualquer jovem bonita que consegue fazer denominar-se fulana de tal... Que impõe seu nome” (Morin, 1989).

Agora você tem VI-SI-BI-LI-DA-DE. Honre sua conquista e não meça esforços. É hora de pegar seu portfólio de aparições e tentar conquistar novas terras. Chega de colunismos sociais ou aparições em quaisquer espaços de visibilidade midiática. Está na hora de caprichar no carão de abuso e fingir ser importante ao mundo.

Pouco a pouco sua visibilidade (ou, em uma pior situação, seus 200 emails enviados para caça talentos) lhe trará frutos. Em breve você recebe uma ligação e PAM! Seu primeiro destaque midiático é alcançado. Não importa se é um papel figurante em um seriado de canal por assinatura ou um pequeno espaço de assistente de palco em um programa de comédia mal escrita: o importante é conseguir afirmar-se na mídia, mostrar aos outros que conquistou um patamar desejado de visibilidade, deixou de ser uma fulana para ser A fulana, por mais que esse nome seja qualquer adjetivo ‘leguminoso’. Parabéns, você tornou-se uma vedete.

Lembrando: ser bonita é fundamental e na lógica midiática beleza é igual à juventude, então esqueça quaisquer paradigmas estéticos e entregue-se aos braços (bisturis) do Ivo Pitanguy. Lógico que nem todas conseguiram ainda visibilidade ($$) suficiente para tal, portanto a vizinha consultora da Avon pode dar um jeito em você.

Perdoe a comparação, mas a maquiagem está para a vedete assim como a ereção está para o ator pornô. Corrigir falhas e enaltecer traços é essencial para se alcançar a harmonia pitagórica que a Estrela possui. Morin lembra que para a estrela, “a maquiagem, que diminui ‘a eloquência da face’, lhe confere uma nova eloquência. Se despersonaliza a estrela, é para superpersonalizá-la. O seu rosto pintado é um tipo ideal. Essa idealização, adocicada ou não, é o fardo que a pintura impõe à verdade. A maquiagem acentua, estiliza e realiza definitivamente a beleza sem falhas, harmoniosa e pura”. (1989)

Em pouco tempo a ‘Fulana Alguma Fruta’ vai ganhar nome e sobrenome (pasme, SEU nome e SEU sobrenome, sim, aqueles de cartório!), seu papel midiático vai ser ressaltado e em breve as pessoas vão admirar sua inteligência e reconhecê-la na padaria. Um belo dia, quando você menos esperar, sua camisa de chiffon super querida será rasgada de canto a canto por uma louca qualquer que sonha em ter um pedaço de você para guardar e chamar de seu. Enfim, você é uma Estrela.

Referência do tal Morin:

MORIN, Edgar. As Estrelas: mito e sedução no cinema. Tradução [da 3. Ed. Francesa] Luciano Trigo. Rio de Janeiro: José Olympio, 1989.

terça-feira, 9 de abril de 2013

O Guia do Mochileiro das Paradas

Agatha Arianne

Um dos ensinamentos mais preciosos deixados por Douglas Adams no Guia do Mochileiro das Galáxias ou Bíblia nerd foi: o tempo é uma ilusão, então o horário do almoço é duplamente uma ilusão. Não é preciso ser nenhum Artur Dent ou estar viajando para outro planeta para chegar a essa conclusão. Tudo que você precisa é esperar pelo ônibus 513, em João Pessoa. Existe uma lenda de que ele passa de 15 em 15 minutos, mas isto é material para outro livro de ficção científica.

A verdade é que a "imobilidade" urbana é uma questão espinhenta na capital paraibana. O 513 é apenas o meu problema e de alguns moradores do Bessa. Conversando com os outros passageiros sempre vejo o quanto poderia ser pior. Segundo o portal Mobilidade Urbana, João Pessoa tem uma frota de 237 mil carros particulares, com 517 ônibus em circulação e a cada dia licencia outros 101 veículos de passeio. O último projeto estrutural de planejamento para o transporte público aconteceu na década de 80 e o resultado do descaso pode ser visto no cotidiano de quem depende do famigerado busão. A demanda não é grande se comparada a cidades maiores, a Avenida Epitácio Pessoa, que possui o maior fluxo, tem 3.700 passageiros por sentido/hora. É um problema pequeno em relação a metrópoles como São Paulo, onde são 50 mil usuários de ônibus e metrôs. Lá, o cidadão desperdiça em média 1 hora e 20 minutos do seu dia dentro da condução, 30% dos usuários do transporte público afirmam que gastam mais de duas horas no trajeto.

Para os paulistanos que vivem sob o regime da pressa, o mais frustrante em ter que andar no coletivo é a superlotação; 25% reclamam da incerteza - não saber se o veículo chegará no seu destino final; 14% reclamam mesmo são dos atrasos.

Se para quem é habitué da Transnacional de João Pessoa é difícil, me pergunto como um turista pode se orientar por aqui. Nossas paradas de ônibus não agregam funcionalidade, não informam quais linhas passam por ali e a que horas. Não é difícil organizar isso, mas citando novamente o Guia dos Mochileiros, os ratos são a raça mais inteligentes do planeta terra - isso por que nós humanos somos extremamente preguiçosos.

Ainda no livro queridinho dos nerds, Adams explica que a história das civilizações tende a atravessar três fases distintas: a da Sobrevivência ("Como vamos comer?"); a da interrogação ("Por que comemos?") e a Sofisticação ("Aonde vamos comer?"). No século em que vivemos, trocaria essas três questões por: "Como vamos nos locomover de maneira sustentável?"; "Por que insistimos nos carros?"; e por fim, quando formos sofisticados como os europeus, nós perguntaremos: "Por que não melhoramos nosso transporte público antes?".

O Guia do Mochileiro das Galáxias adverte: Beber cerveja e comer amendoim ajudam a eliminar os efeitos adversos das viagens espaciais (de bus); Carregue sempre sua toalha.

+ Informações: http://www.mobilize.org.br/





A bicicleta no plano de mobilidade urbana de João Pessoa

Isabela Almeida



Seis da manhã e, como de praxe, Távora acorda para dar início às suas atividades matinais. Às sete, já está pronto para colocar o pé no pedal e sair do bairro do Bessa, onde mora, para seguir destino ao centro da cidade, onde começa a trabalhar às oito. Távora utiliza todos os itens de segurança, capacete, luvas, sinalização na bicicleta, e aqueles que são fundamentais para o clima da cidade, óculos de sol e protetor solar. Durante o percurso, Távora tenta pedalar em um ritmo leve para não suar muito. As ruas de sua ciclorrota não possuem ciclovias, além disso têm buracos e bocas de lobo. Távora se arrisca todos os dias, principalmente durante o retorno para casa, já que, como é noite, fica difícil enxergar esses obstáculos. Assim como Távora, outros cidadãos pessoenses utilizam a bicicleta como principal meio de transporte, e se sentem pouco assistidos pelo poder público.

João Pessoa dispõe de uma malha viária predominantemente plana, adequada para a implantação de ciclovias, que seria uma solução viável para o caos no trânsito. No entanto, o que vemos é que as ciclovias já existentes ainda não fazem parte de um plano mais amplo que é interligar os bairros mais populosos ao centro da capital e os órgãos responsáveis investem em faixas visando apenas automóveis. A Secretaria Municipal de Infraestrutura (Seinfra) tem realizado intervenções na Avenida Epitácio Pessoa, uma das vias de maior tráfego de veículos da Capital, com o objetivo de reduzir os congestionamentos. A avenida ganhará mais dois metros de largura. No entanto, medidas como esta, não resolvem o problema à longo prazo. É importante que ciclistas e pedestres tenham melhores condições de se locomover e assim, reduzir o uso do carro. Para tal, existe a necessidade de um projeto de educação no trânsito e conscientização da população de que a cidade deve ser para as pessoas e não para os veículos.

No dia 2 de abril, a prefeitura de João Pessoa realizou o Orçamento Participativo, momento em que o poder público se dispõe a escutar os anseios da população sobre a aplicação de recursos da prefeitura para uma área específica, neste caso, a região do Miramar, Jardim Luna, São José e bairros que englobam a orla da capital. Muitos cicloativistas estiveram presentes reivindicando mais ciclovias naquela área. Na ocasião, o prefeito da cidade assinou uma Carta Compromisso que apresenta propostas para guiar o trabalho de gestores comprometidos com a melhoria da qualidade de vida da cidade e com a necessidade de modificar o modelo de mobilidade urbana existente na cidade, sempre procurando promover a participação da sociedade nesse processo. Esperamos então, a concretização dessas medidas, para que Távora tenha um trajeto mais seguro de sua casa até o trabalho, o trânsito seja mais fluido e João Pessoa, uma cidade mais sustentável.

Para saber quais são as propostas que a Carta Compromisso, assinada pelo prefeito, apresenta, acesse: http://massacriticapb.blogspot.com.br/2012/10/carta-compromisso.html

segunda-feira, 8 de abril de 2013

O fenômeno Rachel Sheherazade


Mila Monteiro 


Rachel Sheherazade estudou na Universidade Federal da Paraíba e passou de apresentadora do Tambaú Notícias, noticiário local da afiliada da SBT, para apresentadora do SBT Brasil, de veiculação nacional, após a repercussão do seu vídeo comentando o carnaval, em 2011. É engraçado como eu a imagino como universitária: debatendo assuntos polêmicos com os professores enquanto os demais alunos reviram os olhos com a mão no queixo.

Como Rachel afirma, ela foi contratada para opinar. Acho que o problema está aí. Ela recebe um salário para dar a sua opinião e, para valer o dinheiro que ganha, precisa aparecer com comentários controversos, que dêem o que falar. Ela deixa de lado os pilares do jornalismo e emite suas opiniões pessoais de maneira descuidada. Como indaga Emanuelle Najjar, jornalista de São Paulo, em uma edição do ano passado do Observatório de Imprensa “Até que ponto um jornalista, em pleno exercício de sua profissão, pode se despir de um de seus princípios básicos? Até que ponto ele pode se arriscar em algo que pode soar como ofensivo ou pessoal usando das facilidades propiciadas por seu meio?” Há aqueles que utilizam do espaço que possuem para prestar um serviço, emitindo suas opiniões sobre temas diversos de maneira embasada. Para mim, o problema de Rachel é que ela apresenta um discurso falacioso, seus argumentos defendidos com unhas e dentes são falhos. Em uma mesa de bar, em uma conversa com amigos é comum surgirem comentários supérfluos, sem estudos aprofundados. Mas para emitir opiniões em rede nacional é necessário um apuramento e pesquisa aprofundados.

Em um de seus vídeos ela fala que enquanto está acontecendo todo esse rebuliço por conta de Marco Feliciano presidir a Comissão de Direitos Humanos, na Comissão de Constituição e Justiça “os recém-condenados José Genoíno e João Paulo Cunha são recebido de braços abertos”. Concordo que deveriam estar acontecendo mais movimentos contra a presença dos mensaleiros no Senado, mas um evento não anula o outro. Ela pergunta quem é o pior “o pastor que não mede as palavras ou os mensaleiros com um pé no presídio”. Marco Feliciano não está sendo atacado por ser pastor, mas por ter opiniões ofensivas contra as minorias e estar em uma Comissão que deveria exatamente defender essas pessoas. Os ativistas não têm que escolher apenas uma causa para lutar. Em um dos comentários acerca do vídeo alguém fala que é contra a presença de Marco Feliciano na Comissão de Direitos Humanos e que assinou o abaixo-assinado para a retirada de Renan Calheiros do Senado. Ser contra o “pastor” não nos faz coniventes com os corruptos na política. Tanto um fato como o outro são motivos de indignação da população.

No vídeo de mais repercussão atualmente Rachel afirma “que um homem não pode ser condenado por suas crenças nem discriminado por causa delas”, referindo-se a Marco Feliciano. E termina dizendo que “quem não estiver preparado para a democracia que renuncie a ela”. O caso é que, como afirma Alberto Dines,“a democracia de Marco Feliciano é uma caricatura de democracia. Não deve nem pode prosperar”. Marco Feliciano foi escolhido democraticamente sim, da mesma maneira que Renan Calheiros foi eleito presidente do Senado, e nem por isso temos que concordar com esses eventos. Marco Feliciano tem direito a sua crença e a suas opiniões, mas a liberdade de expressão não garante a propagação de crimes de racismo e homofobia.

Em outro momento ela tece comentários sobre o pedido de retirada da inscrição “Deus seja louvado” nas notas de reais. Ela afirma que “honestidade, liberdade, respeito e justiça” são princípios do cristianismo. Quer dizer, então, que ateus, budistas, espíritas não defendem tais princípios? Esses são pilares que todos os seres humanos, independente de religião, devem seguir. E o lema da Revolução Francesa, “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”? É muita ingenuidade creditar ao cristianismo princípios defendidos por quase todas as crenças. No mesmo vídeo ela fala que a retirada de tal inscrição é uma ingratidão com o cristianismo que influenciou nossa cultura. Se tivéssemos que demonstrar nossa gratidão com religiões que influenciaram nossa cultura, talvez fosse o caso de colocarmos também inscrições das religiões africanas e das tradições indígenas no nosso dinheiro. O caso é que o Estado é, ou deveria ser, laico. Não é uma questão de perseguição contra o cristianismo, apenas a luta pelo laicismo das instituições.

Rachel Sheherazade tem o direito de expressar suas opiniões, como também temos o direito de criticar alguns dos seus comentários. Citando novamente Emanuelle Najjar, “toda forma de expressão é passível de análise e aquilo que deveria ser um sopro de vida a uma fórmula desgastada pode se transformar em uma armadilha traiçoeira”.

Emerson Machado causa repudia em fãs de Chorão


Vanessa Rodrigues

No início do mês de março, enquanto muitas pessoas estavam chocadas com a morte de Chorão, vocalista do Charlie Brow Jr., muitas outras ficaram pasmas quanto às declarações do repórter Emerson Machado, mais conhecido como Mofi, do Sistema Correio. Emerson afirmou que o Brasil não tinha perdido um profissional, mas um drogado. E ainda acrescentou que lamentava morar em um país onde as pessoas choram pela morte de um drogado.

O pronunciamento foi feito em seu próprio twitter, e em algumas horas já havia uma manifestação dos internautas que protestavam contra Emerson Machado. Imagens do Mofi com um X imenso foram publicadas e compartilhadas nas redes sociais, além de milhares de declarações indignadas dos internautas que utilizavam hastags repudiando o repórter. Causando um grande sentimento de revolta nos fãs de Chorão, Emerson ainda escreveu em seu microblog “nunca imaginei que no Brasil um homem que morre cheirando cocaína tivesse tanto valor”.

A polêmica trouxe um questionamento referente a este tipo de abordagem, já que programas como o Correio Verdade, em que o Emerson é repórter, retratam diariamente esta realidade e busca sensibilizar a população através do caixão dos outros. Este tipo de pronunciamento e a consolidação de programas sensacionalistas, principalmente nas classes C, D e E, nos faz pensar até que ponto as redes sociais tornam-se uma ampliação dos programas televisivos? Esta falta de tolerância para determinadas manifestações públicas corrobora que aos poucos está existindo certo de grau de consciência sobre o valor midiático e a responsabilidade social que os meios de comunicação acarretam.

No dia 8 de março, dois dias após a morte do vocalista do Charlie Brow Jr., um grupo de fãs do Chorão se pôs nas calçadas do Sistema Correio de Comunicação em protesto contra Emerson Machado. Gritos e cartazes com “FORA EMERSON” retrataram que os manifestantes explodiam de indignação e de dor pela perda do artista. A pequena expressão de rejeitar Mofi não resultou em uma demissão, mas nos alerta para um amadurecimento da população e o reconhecimento dos impactos que os meios de comunicação causam na sociedade. Já que os revoltosos gritavam “jornalista sem diploma”, nos faz pensar que agora não é mais uma questão do Ministério Público, mas um fator social.

Ações criminosas em transportes públicos, até quando?


Raíssa Diniz





Para a população que utiliza o transporte público diariamente na capital é comum vivenciar situações constrangedoras no coletivo, como assaltos, brigas e agressões. Nos últimos anos a criminalidade e ação de vândalos em ônibus de João Pessoa têm acontecido com bastante frequência, como exemplo, no período de janeiro a julho de 2012 que aconteceram 66 casos desse tipo, segundo os dados da AETC-JP citados no G1.

Geralmente os criminosos atuam em bando para roubar o dinheiro do caixa com o Cobrador ou individualmente para pequenos furtos em dinheiro ou equipamentos eletrônicos dos passageiros. Após um caso como este o procedimento correto é o motorista do veículo encaminhar a denúncia à polícia e registrar um boletim de ocorrência (BO) na delegacia. Na maioria das vezes esta ação ocorre, no entanto a informação não é tratada pelas autoridades responsáveis pela segurança e a população permanece sujeita a esta situação.

A partir daí, como apontar culpados? A polícia realiza operações esporádicas de fiscalização nos ônibus, nada com muito foco, apenas para demonstrar trabalho. As empresas de ônibus instalam câmeras avulsas nos coletivos, como se pudessem intimidar os bandidos. Pelo mesmo lado o poder público vira as costas para o problema e finge que nada acontece em relação a isso. Para tratar de casos como estes os órgãos competentes precisariam abandonar os interesses próprios de sua entidade e trabalhar em equipe para obter o bem comum, a segurança de todos.


domingo, 7 de abril de 2013

O prazer de Amélie


Renata Leitão


Falar de coisas simples, corriqueiras, cotidianas, nunca foi tão original quanto nesse filme. Le Fabuleux Destin d Amélie Poulain, que em português quer dizer “O fabuloso destino de Amélie Poulain” é um filme Francês, do diretor Jean Pierre Jenet, lançado em 2011, mas que particularmente, na minha casa, continua na primeira prateleira. É incansável assistir aquele cenário sempre à meia luz das tardes em Paris. Engraçado que me traz a sensação de reviver o que nunca vivi, não conheço a França, mas a película me deixa tão próxima que parece que fica ao lado da minha casa. Sabe aquele filme que te provoca sensações? Você sente o cheiro! E posso afirmar que é um dos mais familiares que já senti.

Amélie, interpretada pela atriz Audrey Tautou, é uma jovem parisiense, que na infância foi privada do contato com outras crianças pelos seus pais, e mesmo assim, não perdeu a esperança nas pessoas. Ela passa o filme inteiro dotada de uma solidariedade fora do comum e ajudando todas as pessoas que vê pelo caminho. Aquele famoso clichê "fazer o bem sem olhar a quem" lhe cai como uma luva. Mesmo cheia de traumas e amarguras, em sua vida solitária, ela procura amparar as pessoas, mas como toda ação gera uma reação, tanto para o mal quanto para o bem, o universo resolve conspirar e bota certo rapaz em seu caminho, Nino Quincampoix, interpretado pelo ator Mathieu Kassovitz. Ela, agora, apaixonada, continua em sua busca de ajuda ao próximo, e que termina esquecendo-se de si. O brilho desse filme, além das marcações e as cores serem deslumbrantes, está nessa vontade que a toma, pois o que vemos no mundo real é justamente o oposto. Filhos, pais, amigos, parceiros profissionais, mesmo desconhecidos, sem o mínimo de espírito coletivo. A sociedade que prega a individualidade, deixou a palavra falar tão alto, que se tornou difícil interceder pelos outros. Amélie, que por sua história deveria ser ajudada, resolveu ajudar.

Difícil enumerar o que mais me encantou nesse filme, mas a trilha sonora foi, de fato, escolhida a dedo. Todas as canções são do músico talentosíssimo e multifacetado Yann Tiersen. Me pego escutando toda a trilha diariamente, mesmo sendo toda instrumental. Tudo casa perfeitamente com o visual, evocando as emoções vividas pela protagonista.




http://www.youtube.com/watch?v=TnLgEEsu8Uo

Violência para o povo e para a elite

Flávia Lopes 

Em 2007 instituiu-se a TV Arapuan na Paraíba. A concessão do canal foi assinada pelo Diretor-Presidente, João Gregório, e pelo Ministro das Comunicações da época, Hélio Costa. Com isso foi declarado que o grupo Arapuan estava apto a prestar serviços à sociedade. Essa TV é transmitida na Paraíba pelo canal 14, e tem uma área de cobertura de transmissão para mais de 30 municípios do estado, alcançando um público de, aproximadamente, dois milhões de telespectadores. Apesar de filiada a uma rede nacional, “REDE TV!”, o canal 14 tem reservado para si algumas horas do tempo da emissora. Sua programação local é composta por sete programas, dos quais seis são jornalísticos. E são eles os objetivos principais desse texto.

Quando foi assinada a concessão de regularização da TV Arapuan, publicada no Diário Oficial da União no dia 4 de outubro de 2007, foi oficializada a prestação de serviços à sociedade por parte do canal. Logo, instituiu-se que, através de sua programação, a TV serviria ao meio social, cumprindo os direitos e os deveres de toda entidade de comunicação, regida pelo capítulo V da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, que tece regularidades a respeito da Comunicação Social.

Além de ser uma TV de concessão pública, a TV Arapuan é aberta, com isso aumenta mais ainda sua responsabilidade perante a sociedade. Essa carga de responsabilidade dá-se, assim como em tantos outros canais, através dos programas jornalísticos. O jornalismo nos dá aquilo que conhecemos como o direito fundamental à informação, o qual todos estão aptos a receber.

Essa informação não deveria ser segmentada, principalmente por que é um direito atrelado a qualquer pessoa, sem distinção de raça, cor, credo, ou classe social. O que se tem, no entanto, na prestação de serviços para a sociedade, por parte dos programas jornalísticos, pelo menos, é um serviço fragmentado em dois grandes segmentos, jornalismo popular, ou “sensacionalista”, e o “jornalismo político”, de caráter elitizado.

Essa distinção no jornalismo da Arapuan acontece à vista clara. Não que haja proibição de veiculação para um determinado público. Não é isso. O que acontece aqui é uma “super-segmentação” que deixa evidente o que é para o povo e o que é para a elite.

A imprensa é considerada, em uma sociedade democrática, um quarto poder. E a voz desse quarto poder é o jornalismo. É por ele que se dá a manifestação da expressão da imprensa. Essa noção potencializada dada aos veículos de comunicação surgiu primeiro com o filósofo e político anglo-irlandês, Edmund Burke, e depois com o escritor e ensaísta escocês Thomas Carlyle. Mas esse poder relativo à imprensa não é do tipo ditador, autoritário, ao contrário, esse poder se dá pela sutileza, quase imperceptível, tão sucinto que às vezes nem se percebe. Isso é a sua arma de influência.

Se o jornalismo já é em si uma potência de poder, imagine quando se agrega a outro tipo de poder, o Executivo, por exemplo? Isso é o que acontece no segmento que aqui chamamos de “jornalismo político” da TV Arapuan, que é apresentado no programa: “Rede Verdade”. Ele trata de um conteúdo do mundo político e econômico da Paraíba e veicula entrevistas com personalidades paraibanas envolvidas nessas áreas. O partidarismo direitista é claro, porém sucinto. Mas, mesmo sutil, é violento.

De acordo com Muniz Sodré, a violência é apresentada de várias formas dentro da mídia. O caso acima relaciona-seà violência social, a qual o autor considera como uma “violência silenciosa, invisível e burocrática, decorrente de um modelo social fixado pelas hipertrofilia centralista do poder – é o que podemos chamar de estado de violência ou violência social.” (SODRÉ, 2002, p.13)

Para o comunicólogo a violência não é dada apenas através de veiculação de atos violentos, principalmente essa violência social, pois ela ocorre em todos os âmbitos (econômico, político, psicológicos) da existência. Para Sodré apresentam-se em dois tipos básicos: “a violência direta, que é o uso imediato da força física; e a violência indireta (latente), que inclui diversos modos de pressão (econômicos, políticos, psicológicos) ou então a ameaça do emprego da força”. (SODRÉ, 2002, p.18)

No caso dos programas da TV Arapuan que se apresentam dentro do segmento, dividido aqui neste texto, de “jornalismo popular” também existe essa violência social, porém, mais forte ainda é a violência representada, que é aquela forma violenta mostrada visivelmente. Essas características são apresentadas nos programas: “Tribuna Livre”, “Cidade em Ação”, “De olho na Cidade”.

De acordo com o livro “Jornalismo Popular” de Márcia Franz Amaral este tipo de mídia reflete o seu público, ou seja, o público que não está imerso nas classes A e B.O segmento de jornalismo popular pode ser classificado pelo seu tipo de conteúdo e seu público. O conteúdo é basicamente o retrato de comunidades pobres, e sua audiência é dada, em geral, pelos habitantes dessas comunidades. O segmento de jornalismo político também é caracterizado pelo seu público, que é a elite política da Paraíba.

Apesar de serem opostos, esses dois segmentos interligam-se em um elemento: a violência. Ambos agridem aos seus telespectadores manifestando a violência social, esclarecida por Muniz Sodré. Embora sejam dirigidos a públicos diferentes, no final das contas, esse dois públicos recebem a mesma recompensa.

Em suma, essa é a caracterização do jornalismo feito na TV Arapuan. Neste canal, os programas locais são segmentados para públicos diferenciados e totalmente opostos. Enquanto um é feito para ser a “voz do povo”, o outro é elaborado para ser a “voz da elite”. Porém, esses públicos, distantes e convergentes em âmbito social, são alvos da violência, apresentada de várias formas.

O que se tem na TV Arapuan são programas jornalísticos com públicos e formatos diferentes, mas com uma essência em comum: a violência. Enquanto uns nos agridem ao apresentar a violência propriamente dita, aquela que acontece no cotidiano, outro nos agride através da influencia sutil de um partidarismo político. No final das contas, o tipo de jornalismo que se faz na TV Arapuan é um jornalismo violento, que tanto agride visualmente quanto agride integralmente. A violência é entregue à elite e jogada ao povo.


Referência

SODRÉ, Muniz. Sociedade, Mídia e Violência. Porto Alegre: EDIPUCRS/Sulina, 2002


Vídeos



Para o povo: O programa Cidade em Ação o repórter entrevista deficiente auditivo que matou a mãe com golpes de machado na cidade paraibana de Pedras de Fogo.


Para a elite: Entrevista com Cícero Lucena no Rede Verdade da TV Arapuan

O Nordeste por dentro: Visão de Arraes


Juliana Freire

Por vezes acanhado, mas sempre em busca de ser cabra valente. Ele é conhecedor da natureza, sabe driblar as inconstâncias do santo protetor de sua terra, não perde o sorriso “nem que dê a mulesta”, além de ser contador de histórias arretadas, da melhor qualidade. Espontâneo, prestativo, religioso, mas também pecador. Ninguém é de ferro e o santo é de barro. Dividido entre a pureza divina e a promiscuidade, a retidão e o pecado. Este é o nordestino representado por Guel Arraes no cinema brasileiro na última década.

Embasados em clássicos literários adaptados ao contexto nordestino, “ O Auto da Compadecida” (2000), “Lisbela e o Prisioneiro” (2003) e “Romance” (2008), retratam uma região castigada pela própria natureza- só se for “in natura” política- em que a pobreza material é inerente àquela terra, mas não ao seu espírito. Nas versões cangaceiras do diretor pernambucano, o cenário é sempre uma cidade do interior, em que tudo que alude à modernidade, como a tecnologia, ainda é embrionário. Os personagens também legitimam o ar provinciano da localidade. Ao coronel, o privilégio de mandar e até matar na região sem punição, ao Padre, a benção de guiar, aconselhar e civilizar a sociedade, à mulher, ou a castidade ou a promiscuidade, nunca os dois juntos. Aos demais, a pobreza, a simplicidade e muitas histórias engraçadas e aumentadas a contar.

Guel Arraes conserva em seus filmes a essência do interior nordestino. Como que sem pretensão de criticar de maneira agressiva a desigualdade social e realçar a luta pela sobrevivência de um povo sofrido, o diretor aborda a temática com humor, abarcando o ponto de vista do próprio nordestino, que não se vê como um coitado, muito menos como um afortunado. O povo representado ri da própria desgraça, assim como na realidade, e sabe que no “Sul” a vida é diferente- apesar da estrutura de divisão de riquezas in loco acontecer de maneira similar- mas não se “aperreia” com isso não. “Não sei. Só sei que foi assim!”

Cena do filme "O Auto da Compadecida"
No “O Auto da Compadecida”, filme embasado no romance homônimo de Ariano Suassuna, João Grilo (Matheus Nachtergaele) e Chicó (Selton Mello) andam por Cabaceiras atrás de dinheiro fácil, até que se indispõem com Severino de Aracaju (Marco Nanini), cangaceiro da cidade. O enredo é marcado pela tragicomédia que envolve a vida daqueles dois personagens. Interessante atentar que, apesar de qualquer maldade ou malandragem realizada na trama, todos se curvam ao divino na hora do juízo final e externam reverência e respeito extremo às figuras de Jesus e Maria.

Independente da índole e dos pecados realizados, os personagens são crédulos na compaixão divina. A Mãe, o Filho e o rival, o Diabo, dividem a cena numa estrutura de disputa entre o bem e o mal, assim como ocorre dentro da consciência dos próprios personagens.

Em “Lisbela e o Prisioneiro”, uma adaptação da peça de novo homônima de Osmar Lins, também ocorre um conflito que parece ser típico da região retratada no filme: Pecado versus Pureza. O enredo narra a estória de uma mocinha casta (Débora Falabella) que ia casar-se com um malandro nordestino de sotaque carioca (Bruno Garcia). Enquanto isso, Leleu (Selton Melo), cabra desenrolado, se envolve com uma mulher casada, que se apaixona pelo galanteador. A estória ganha outro rumo, quando Leleu e Lisbela se conhecem e se apaixonam, deixando para trás o malandro e a adúltera. A castidade da mocinha é retratada como símbolo de qualidade feminina no Nordeste. E o bem (a pureza e o amor) mais uma vez vence o mal (o pecado).

Cena do filme "Lisbela e o Prisioneiro"
Não fugindo do previsto, “Romance” acontece sobre o mesmo viés: o maniqueísmo, o amor contra a trapaça. Naquele é utilizado o recurso da metalinguagem, em que o enredo do filme é a própria produção fílmica. Interessante que isto se desdobra como se Guel Arraes revelasse como pensara suas produções anteriores, já que segue na vida real o mesmo roteiro. Assim como aconteceu em “O Auto da Compadecida” e “Lisbela e o Prisioneiro”, “Romance” conta a história de uma adaptação televisiva da peça europeia do século XII, “Tristão e Isolda”, inserida no contexto do sertão nordestino.

O filme narra a estória de um romance representado entre os atores Pedro (Wagner Moura) e Ana (Letícia Sabatella) que se confunde com a o enredo amoroso vivido em cena. Vladimir Brichta, por sua vez, interpreta Orlando, um ator sulista que se passa por nordestino para ganhar a vaga no elenco da série em produção e confunde Ana quanto ao sentimento dela pelo diretor Pedro.

 Cena do filme "Romance"
Para representar o nordestino, Orlando exibe-se como conhecedor da natureza local, carrega um ar de timidez no semblante quando o assunto é amor, além de expressar características admiradas na região como valentia, honestidade e modéstia. Em contrapartida, o sulista, ao trapacear a produção do filme, revela crítica contundente a atitudes opostas aos valores regionais. No desfecho, Ana descobre a mentira inventada por Orlando e rende-se por completo ao seu amor, Pedro. Final feliz para os pombinhos novamente.

Nos três filmes de Arraes citados, os personagens assumem perfis bem firmados e valores solidificados que permeiam o imaginário social nordestino: o valente, a mocinha, a adúltera, o padre, o esperto, o coronel. Assim como ocorre na realidade, no interior nordestino esses estereótipos são ainda bem definidos e a crença em virtudes humanas também é bastante presente. Por isso, o conflito entre o correto e o errado é tão evidenciado na representação da região. O amor dando certo revela também a queda de Arraes por finais românticos. O que é externado no próprio “Romance”, em que o diretor representado na trama se angustia para elaborar um final de sucesso aos mocinhos.

Quase que fazendo uma trilogia do Nordeste brasileiro, Arraes representa em “O Auto da Compadecida”, “Lisbela e o Prisioneiro” e de maneira menos significante, mas ainda assim enriquecedora, em “Romance”, a Região em sua identidade cultural, em sua terra infértil, em seu jeito peculiar de viver. Envolvida por tons ácidos, as comédias possibilitam refletir sobre aquela realidade, desde a concentração de rendas que é a causa da pobreza local até o agraciamento de se viver numa região que conserva a simplicidade, o repente, o sotaque, a conversa frente a frente, os valores.

O nordestino representado pela ótica de Arraes aparece nos filmes como sujeito espontâneo e simples. Acredito que esse é o principal estereótipo que o diretor quer infiltrar do seu povo no cenário nacional, haja vista que a beleza do Nordeste encontra-se justamente quando seu ator principal assume-se como tal e não sente vergonha de seu “eu”. É bonito ser nordestino, mesmo com a pobreza da terra do interior, mesmo sem luxo ou água encanada. Feio é quem lhe tenta roubar a alegria, quem tenta lhe trapacear. Essa é a ideia. Pelo menos aqui o bem vence o mal. Final feliz para a Região.





Duas semanas com Samuka


Bruna Fernandes

Bilhete deixado pelo criminoso na cena de um homicídio.
(tradução: Roubou, morreu. E aí, Samuka, , é a lei do cão)

Quem nunca assistiu ao programa Correio Verdade e, mesmo assim, tem uma opinião nada boa sobre ele, pode continuar assim. Não perca seu tempo tentando seguir a ideia de que não se deve criticar o que não se conhece, ou procurando dar um motivo razoável para o que sai dali. Depois de uma experiência de duas semanas acompanhando o
dito jornal, afirmo que os trechos de vídeo e as opiniões que circulam pela internet e pelos demais meios são pura realidade, mas causam apenas um choque mínimo quando comparados ao programa inteiro.

Assistir a uma hora e meia desse espetáculo “da verdade” todos esses dias, em plena hora do almoço, complicou bastante a minha digestão. Entretanto, foi útil para confirmar que o cardápio servido por Samuka Duarte é repleto de sangue, choro, merchan e muita “criatividade” – além de erros grotescos de português e linguagem chula. Nesse período, foram noticiados quarenta homicídios/tentativas, nove assaltos, treze apreensões de drogas e ainda alguns acidentes e prisões. Cada notícia é acompanhada de comentários do apresentador, intercalados com falas e sons repetitivos (e irritantes) reproduzidos por quem comanda o áudio do programa: “dá pra repetir?”, “aonde?”, “Samuka, eu amo ele”, “Samuka, boy doido”, etc.
Samuka bebendo coco, ao vivo, durante o programa
Só o primeiro bloco dura, em média, quarenta minutos; essa é quase a duração total de outros jornais locais. Imagina quantas matérias de importância social poderiam ser colocadas nesse tempo! Mas não, em vez disso, o espaço é usado para dar voz aos bandidos (um deles até cantou um rap autoral em homenagem a Samuka) e aos repórteres, que (ab)usam do microfone para espetacularizar os crimes e o sofrimento alheio. E não é só o microfone que sofre, pois, para cativar a audiência e tornar a matéria mais “interessante”, os transmissores das notícias utilizam também outros artefatos. O “deu águia”, ou Marcos Antônio, por exemplo, é muito inovador em suas matérias. Sobre um acidente envolvendo um caminhão de bebidas, o repórter não hesitou em terminar a notícia segurando uma garrafa de cerveja e fingindo (ou não) estar bebendo seu conteúdo. Já a “dama de ferro” do Sertão, Jaceline Marques, começou uma matéria andando de moto, enquanto falava sobre um mototaxista traficante. Depois, para completar, o jornal volta para o estúdio e o telespectador se depara com o apresentador usando um capacete e se perguntando “será que vou pegar piolho?” Todas essas palhaçadas se repetem dia após dia, cada vez mais inusitadas. Sem esquecer que até crianças são convidadas a assistir o jornal, porque, segundo Samuka, elas pedem aos pais para assistir.
O famoso “môfi”, Emerson Machado, é mais “contido” (ou menos criativo), mas tem destaque por conseguir furos através de seus amigos de casa policiais. Para mim, o cúmulo foi quando ele, durante a gravação de uma matéria sobre um homicídio no São José, na capital, entrou na frente de uma ambulância do Samu, que corria de sirene ligada, para perguntar qual era a ocorrência, e ainda bateu um papinho com o socorrista.
Por essas e outras, durante a tortura experiência eu ficava, de certa forma, aliviada quando chegava a hora do merchandising. Ocupando boa parte do tempo do jornal e aparecendo entre uma morte e outra, anunciantes de tv por assinatura, loja de departamento, clínica odontológica, produtos farmacêuticos e até de faculdade, conquistam seus clientes samukianos diariamente. Afinal, se o Samuka (que tem a certeza de que é juiz, policial, advogado, psicólogo, professor...) deita no travesseiro desta loja, toma o suco pronto daquela outra, ajeita os dentes ali e aprova aquele vaso sanitário, quem sou eu, humilde ser atrás da tv, para fazer o contrário?


Veja algumas transcrições do programa feitas pelo Ministério Público: http://www.prpb.mpf.gov.br/DegravaesTVCorreioMJ.pdf

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Falta de educação deixa trânsito caótico

Felipe Gesteira

Criança sendo transportada de forma irregular no Centro de JP (Foto: Felipe Gesteira)


Aumentam os valores das multas de trânsito, as fiscalizações seguem ostensivas, e o que se percebe diariamente é que o próprio condutor, na maioria das vezes, é mal educado. Bebida e direção, motoristas parando em cima de calçadas, faixas de pedestre, fechando cruzamentos, além do excesso de velocidade e bastante imprudência. Muitos incidentes poderiam ser resolvidos e até evitados se boas práticas fossem aplicadas. Falta conscientização.

Em uma entrevista para o jornal A União publicada há cerca de um mês, o superintendente de Mobilidade Urbana de João Pessoa, Nilton Pereira, destacou a falta de educação dos motoristas. "Na verdade não existe falta de educação no trânsito. O problema é a falta de educação doméstica. Quem para em cima de uma faixa de pedestre ou de uma calçada é incapaz de ter gestos educados. Quem fecha um cruzamento não tem condições de abrir uma porta para uma senhora. O trânsito mostra os reflexos da educação que a pessoa tem", concluiu.

Passageiros viajam em cima de um carro pelo interior do Estado 
(Foto: Felipe Gesteira)

Uns devem cuidar dos outros, todos pelo bem comum. O Código Brasileiro de Trânsito é claro. Em seu artigo 29, inciso 12º, parágrafo 2º, diz: “Respeitadas as normas de circulação e conduta estabelecidas neste artigo, em ordem decrescente, os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não motorizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres”. Se fosse assim estaria tudo resolvido.

O que acontece na prática é o cidadão seguir as leis de trânsito não pela sua própria segurança, muito menos pela segurança dos outros, mas porque a infração vai doer no seu bolso. Assim foi com o cinto de segurança, que muitos não davam a mínima, e hoje, usá-lo se tornou hábito. Assim também vem sendo com a nova Lei Seca. O alto valor da multa (R$ 1.915,40) e o risco de terminar a noite na cadeia estão educando o brasileiro.

Policial e garupa trafegam sem capacete e desafiam a lei (Foto: Felipe Gesteira)
A leis acabam 'pegando', mas mostram a fragilidade do nosso sistema. Cumprir pela punição e não pelos riscos que o não cumprimento pode causar cria abismos onde a fiscalização é mais frágil. É muito comum ver cenas absurdas em ruas de menor movimento. Um exemplo simples são os casais que andam em motocicletas carregando crianças imprensadas entre os dois, como bagagem. Se não pensam na segurança dos próprios filhos, imagine dos outros?

No interior do Estado cidades inteiras funcionam sem leis de trânsito. Capacete para as motocicletas parece item opcional. Habilitação quase ninguém tem. A moto veio para substituir o jumento e quando uma blitz aparece as cidades ficam quase desertas de tantos veículos apreendidos.

Motorista estaciona na calçada do MPPB bloqueando o caminho dos pedestres 
(Foto: Felipe Gesteira)
E quando o motorista passa 'certinho' por uma blitz, sai avisando, cortando luz, postando no Waze. Avisar também é crime, e pode dar cadeia. Mesmo se não fosse, quem escapa da blitz por conta de um aviso pode ser o cara que tomou uma cervejinha, mas também pode ser um traficante portando drogas e armas, um sequestrador, ou até um motorista dirigindo um carro roubado. Um dia a vítima pode ser o mesmo cidadão que ajudou o bandido a fugir.

Somente a Educação pode revolucionar o país, e isso também vale para o trânsito. Quando a tão falada conscientização chegar, motoristas, motociclistas, ciclistas e pedestres poderão viver seu fluxo em paz.