Por vezes acanhado, mas sempre em busca de ser cabra valente. Ele é conhecedor da natureza, sabe driblar as inconstâncias do santo protetor de sua terra, não perde o sorriso “nem que dê a mulesta”, além de ser contador de histórias arretadas, da melhor qualidade. Espontâneo, prestativo, religioso, mas também pecador. Ninguém é de ferro e o santo é de barro. Dividido entre a pureza divina e a promiscuidade, a retidão e o pecado. Este é o nordestino representado por Guel Arraes no cinema brasileiro na última década.
Embasados em clássicos literários adaptados ao contexto nordestino, “ O Auto da Compadecida” (2000), “Lisbela e o Prisioneiro” (2003) e “Romance” (2008), retratam uma região castigada pela própria natureza- só se for “in natura” política- em que a pobreza material é inerente àquela terra, mas não ao seu espírito. Nas versões cangaceiras do diretor pernambucano, o cenário é sempre uma cidade do interior, em que tudo que alude à modernidade, como a tecnologia, ainda é embrionário. Os personagens também legitimam o ar provinciano da localidade. Ao coronel, o privilégio de mandar e até matar na região sem punição, ao Padre, a benção de guiar, aconselhar e civilizar a sociedade, à mulher, ou a castidade ou a promiscuidade, nunca os dois juntos. Aos demais, a pobreza, a simplicidade e muitas histórias engraçadas e aumentadas a contar.
Guel Arraes conserva em seus filmes a essência do interior nordestino. Como que sem pretensão de criticar de maneira agressiva a desigualdade social e realçar a luta pela sobrevivência de um povo sofrido, o diretor aborda a temática com humor, abarcando o ponto de vista do próprio nordestino, que não se vê como um coitado, muito menos como um afortunado. O povo representado ri da própria desgraça, assim como na realidade, e sabe que no “Sul” a vida é diferente- apesar da estrutura de divisão de riquezas in loco acontecer de maneira similar- mas não se “aperreia” com isso não. “Não sei. Só sei que foi assim!”
Cena do filme "O Auto da Compadecida" |
Independente da índole e dos pecados realizados, os personagens são crédulos na compaixão divina. A Mãe, o Filho e o rival, o Diabo, dividem a cena numa estrutura de disputa entre o bem e o mal, assim como ocorre dentro da consciência dos próprios personagens.
Em “Lisbela e o Prisioneiro”, uma adaptação da peça de novo homônima de Osmar Lins, também ocorre um conflito que parece ser típico da região retratada no filme: Pecado versus Pureza. O enredo narra a estória de uma mocinha casta (Débora Falabella) que ia casar-se com um malandro nordestino de sotaque carioca (Bruno Garcia). Enquanto isso, Leleu (Selton Melo), cabra desenrolado, se envolve com uma mulher casada, que se apaixona pelo galanteador. A estória ganha outro rumo, quando Leleu e Lisbela se conhecem e se apaixonam, deixando para trás o malandro e a adúltera. A castidade da mocinha é retratada como símbolo de qualidade feminina no Nordeste. E o bem (a pureza e o amor) mais uma vez vence o mal (o pecado).
Cena do filme "Lisbela e o Prisioneiro" |
O filme narra a estória de um romance representado entre os atores Pedro (Wagner Moura) e Ana (Letícia Sabatella) que se confunde com a o enredo amoroso vivido em cena. Vladimir Brichta, por sua vez, interpreta Orlando, um ator sulista que se passa por nordestino para ganhar a vaga no elenco da série em produção e confunde Ana quanto ao sentimento dela pelo diretor Pedro.
Cena do filme "Romance" |
Para representar o nordestino, Orlando exibe-se como conhecedor da natureza local, carrega um ar de timidez no semblante quando o assunto é amor, além de expressar características admiradas na região como valentia, honestidade e modéstia. Em contrapartida, o sulista, ao trapacear a produção do filme, revela crítica contundente a atitudes opostas aos valores regionais. No desfecho, Ana descobre a mentira inventada por Orlando e rende-se por completo ao seu amor, Pedro. Final feliz para os pombinhos novamente.
Nos três filmes de Arraes citados, os personagens assumem perfis bem firmados e valores solidificados que permeiam o imaginário social nordestino: o valente, a mocinha, a adúltera, o padre, o esperto, o coronel. Assim como ocorre na realidade, no interior nordestino esses estereótipos são ainda bem definidos e a crença em virtudes humanas também é bastante presente. Por isso, o conflito entre o correto e o errado é tão evidenciado na representação da região. O amor dando certo revela também a queda de Arraes por finais românticos. O que é externado no próprio “Romance”, em que o diretor representado na trama se angustia para elaborar um final de sucesso aos mocinhos.
Quase que fazendo uma trilogia do Nordeste brasileiro, Arraes representa em “O Auto da Compadecida”, “Lisbela e o Prisioneiro” e de maneira menos significante, mas ainda assim enriquecedora, em “Romance”, a Região em sua identidade cultural, em sua terra infértil, em seu jeito peculiar de viver. Envolvida por tons ácidos, as comédias possibilitam refletir sobre aquela realidade, desde a concentração de rendas que é a causa da pobreza local até o agraciamento de se viver numa região que conserva a simplicidade, o repente, o sotaque, a conversa frente a frente, os valores.
O nordestino representado pela ótica de Arraes aparece nos filmes como sujeito espontâneo e simples. Acredito que esse é o principal estereótipo que o diretor quer infiltrar do seu povo no cenário nacional, haja vista que a beleza do Nordeste encontra-se justamente quando seu ator principal assume-se como tal e não sente vergonha de seu “eu”. É bonito ser nordestino, mesmo com a pobreza da terra do interior, mesmo sem luxo ou água encanada. Feio é quem lhe tenta roubar a alegria, quem tenta lhe trapacear. Essa é a ideia. Pelo menos aqui o bem vence o mal. Final feliz para a Região.
Nos três filmes de Arraes citados, os personagens assumem perfis bem firmados e valores solidificados que permeiam o imaginário social nordestino: o valente, a mocinha, a adúltera, o padre, o esperto, o coronel. Assim como ocorre na realidade, no interior nordestino esses estereótipos são ainda bem definidos e a crença em virtudes humanas também é bastante presente. Por isso, o conflito entre o correto e o errado é tão evidenciado na representação da região. O amor dando certo revela também a queda de Arraes por finais românticos. O que é externado no próprio “Romance”, em que o diretor representado na trama se angustia para elaborar um final de sucesso aos mocinhos.
Quase que fazendo uma trilogia do Nordeste brasileiro, Arraes representa em “O Auto da Compadecida”, “Lisbela e o Prisioneiro” e de maneira menos significante, mas ainda assim enriquecedora, em “Romance”, a Região em sua identidade cultural, em sua terra infértil, em seu jeito peculiar de viver. Envolvida por tons ácidos, as comédias possibilitam refletir sobre aquela realidade, desde a concentração de rendas que é a causa da pobreza local até o agraciamento de se viver numa região que conserva a simplicidade, o repente, o sotaque, a conversa frente a frente, os valores.
O nordestino representado pela ótica de Arraes aparece nos filmes como sujeito espontâneo e simples. Acredito que esse é o principal estereótipo que o diretor quer infiltrar do seu povo no cenário nacional, haja vista que a beleza do Nordeste encontra-se justamente quando seu ator principal assume-se como tal e não sente vergonha de seu “eu”. É bonito ser nordestino, mesmo com a pobreza da terra do interior, mesmo sem luxo ou água encanada. Feio é quem lhe tenta roubar a alegria, quem tenta lhe trapacear. Essa é a ideia. Pelo menos aqui o bem vence o mal. Final feliz para a Região.
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