quinta-feira, 28 de março de 2013

Um amor maior que eu?

Vanessa Rodrigues


Quando abstraímos a concepção de Amor, debruça-se em um melodrama de felicidade eufórica ou uma dor irreparável. Talvez Haneke não nos surpreenda com a primeira cena, a morte. Há quem diga que existem muito mais semelhanças do que diferenças entre o início e o fim, já que os dois pontos nos leva a um único sentimento: o novo. E a falta de expectativa de um final feliz não implica de acreditar que o desfecho seria outro.
Amor retrata a vida cotidiana e os sentimentos acumulados de um casal de idosos, construindo uma visão muito mais do telespectador que ainda não chegou aos seus oitenta anos do que dos próprios personagens. O filme é clássico, exprimindo o sentido real da palavra, são obras de arte pelas paredes da casa, o indispensável piano para típicos intelectuais franceses, concertos admiráveis e a trilha sonora de Schubert. Além dos tons esverdeados, marrom e cinza, que propõem uma ideia de para toda uma vida.
O drama passa quase por completo dentro do apartamento do casal. Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva dão vida a Georges e Anne, professores de piano, aposentados, que escolheram a cumplicidade como a principal companhia e aliada.
Amor nos remonta a perceber que quando duas pessoas passam muito tempo juntas, principalmente se estas formam um par romântico, elas têm a tendência a um ser o pé direito e o outro o pé esquerdo, e só lado a lado é que os passos seguem firmes e com sentido. 
A história parece se aproximar de uma realidade nua e crua ao qual estamos inseridos. Ao questionar sua esposa sobre a doença que lhes pega de surpresa, Anne amorosamente responde ao marido: “É coisa da idade”.  Mas o filme não enfatiza os anos passados ou as enfermidades que degeneram o físico e a mente da mulher, Amor traz aquela ideologia de nada e ninguém no mundo pode nos separar. E esta foi à escolha de Georges e Anne, que ignoram o peso da idade e das consequências que esta acarreta, optando pela companhia uma do outro, e que qualquer interferência alheia desabaria todo sentimentalismo de paixão e vergonha que o drama sugere. E essa solidão, como escolha e imposição, torna-se uma grande prova de amor. A pomba branca que insistentemente quer adentrar no apartamento dos pianistas confirma esta sensação de que eles vivem em um monumento, com cheiro de velhice, com ar de solidão.
Haneke apropria bem o filme, através dos seus elementos visuais e sonoros. A câmera sempre lenta, a imagem parada por muitos segundos, o cenário triste, as vozes baixas, a música erudita, o silêncio compartilhado, nos envolve em um mundo inevitável, mas surreal para todos nós.
Diante de uma realidade dolorosa, Michael Haneke e seus personagens nos apresentam um sentimento dividido pela paixão e a razão, a dualidade de comportamentos, um bem-me-quer-mas-não-me-quer. Um fim inevitável para todos nos questiona até onde o amor suporta a dor do outro? Entre provas de paixão e eu te quero para além da vida, a falta de lucidez por não saber administrar o que se sente e o que se faz, permite crer que o para sempre, sempre acaba. E será que nós queremos este tipo de amor para chamar de meu?

Nenhum comentário:

Postar um comentário