Vanessa Rodrigues
Quando
abstraímos a concepção de Amor, debruça-se em um melodrama de felicidade
eufórica ou uma dor irreparável. Talvez Haneke não nos surpreenda com a
primeira cena, a morte. Há quem diga que existem muito mais semelhanças do que
diferenças entre o início e o fim, já que os dois pontos nos leva a um único
sentimento: o novo. E a falta de expectativa de um final feliz não implica de
acreditar que o desfecho seria outro.
Amor
retrata a vida cotidiana e os sentimentos acumulados de um casal de idosos,
construindo uma visão muito mais do telespectador que ainda não chegou aos seus
oitenta anos do que dos próprios personagens. O filme é clássico, exprimindo o
sentido real da palavra, são obras de arte pelas paredes da casa, o
indispensável piano para típicos intelectuais franceses, concertos admiráveis e
a trilha sonora de Schubert. Além dos tons esverdeados, marrom e cinza, que
propõem uma ideia de para toda uma vida.
O
drama passa quase por completo dentro do apartamento do casal. Jean-Louis
Trintignant e Emmanuelle Riva dão vida a Georges e Anne, professores de piano,
aposentados, que escolheram a cumplicidade como a principal companhia e aliada.
Amor
nos remonta a perceber que quando duas pessoas passam muito tempo juntas,
principalmente se estas formam um par romântico, elas têm a tendência a um ser
o pé direito e o outro o pé esquerdo, e só lado a lado é que os passos seguem
firmes e com sentido.
A
história parece se aproximar de uma realidade nua e crua ao qual estamos
inseridos. Ao questionar sua esposa sobre a doença que lhes pega de surpresa,
Anne amorosamente responde ao marido: “É coisa da idade”. Mas o filme não enfatiza os anos passados ou
as enfermidades que degeneram o físico e a mente da mulher, Amor traz aquela
ideologia de nada e ninguém no mundo pode nos separar. E esta foi à escolha de
Georges e Anne, que ignoram o peso da idade e das consequências que esta
acarreta, optando pela companhia uma do outro, e que qualquer interferência
alheia desabaria todo sentimentalismo de paixão e vergonha que o drama sugere.
E essa solidão, como escolha e imposição, torna-se uma grande prova de amor. A
pomba branca que insistentemente quer adentrar no apartamento dos pianistas
confirma esta sensação de que eles vivem em um monumento, com cheiro de
velhice, com ar de solidão.
Haneke
apropria bem o filme, através dos seus elementos visuais e sonoros. A câmera
sempre lenta, a imagem parada por muitos segundos, o cenário triste, as vozes
baixas, a música erudita, o silêncio compartilhado, nos envolve em um mundo
inevitável, mas surreal para todos nós.
Diante
de uma realidade dolorosa, Michael Haneke e seus personagens nos apresentam um
sentimento dividido pela paixão e a razão, a dualidade de comportamentos, um
bem-me-quer-mas-não-me-quer. Um fim inevitável para todos nos questiona até
onde o amor suporta a dor do outro? Entre provas de paixão e eu te quero para
além da vida, a falta de lucidez por não saber administrar o que se sente e o
que se faz, permite crer que o para sempre, sempre acaba. E será que nós
queremos este tipo de amor para chamar de meu?
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